Imaginação

Estou na varanda do meu apartamento. A vista é linda: montanhas erguem-se lá atrás como grandes sombras escondendo o horizonte, o céu está lindo, mas no momento eu me interesso por uma pequena colina, bem mais perto de mim do que as imponentes montanhas.

É uma colina singela, de onde desce uma estrada de barro. No topo da colina existe um casebre antigo, daqueles dos contos de fadas. Vejo um carro descendo a estrada em direção à cidade – na verdade não há carro algum descendo a estrada, mas pouco importa, deixo a minha imaginação voar –, é um modelo antigo de cor amarronzada como ferrugem, um carro simples.

Não deveria ser possível, mas como a imaginação é minha e eu sou o narrador, posso estar em qualquer lugar e ver muito além do normal. Então eu vejo o motorista. A motorista, para falar a verdade, e ela é jovem, centrada e decidida. Entro em sua cabeça: ela é uma veterinária, com vontade de amar e ainda não se casou porque tem a personalidade forte que afasta os homens fracos, sendo difícil encontrar homes fortes em seu mundo, e ela está indo trabalhar na fazenda e... Eu perco meu interesse na jovem veterinária.

Volto à realidade. Aproximo-me do parapeito e vejo no prédio à frente uma garota na varanda – o prédio à frente está ainda em construção e como o sol está para se pôr o serviço foi interrompido, é um esqueleto de prédio inóspito como nos filmes de terror, mas pouco importa, agora é um belo prédio com uma garota bonita na varanda – e ela está deitada na sua rede lendo algum livro, deixando a imaginação voar, que nem eu.

Eu sou o narrador e o alcance da minha visão não conhece o inalcançável. É um livro com belas histórias fantásticas - esqueça, agora é um caderno com histórias fantásticas que ela mesmo escreveu, e são belas, e ela tem futuro como escritora, mas por enquanto é só a garota bonita de cabelos negros que balança em sua rede na sua varanda sem nem notar que não existe.

O prédio voltou a ser um esqueleto inóspito, e algumas borboletas amarelas me roubam a atenção. E eu lembro que o sol está para se pôr. Deixo a varanda, percorro a sala de estar e abro a porta. Desço as escadas imaginando que penetrava uma masmorra. Os gritos dos prisioneiros torturados me assombram e eu me apresso, e logo estou no gramado sentindo a brisa da tarde, a gostosa brisa da tarde.

É a hora mágica.

A beleza céu, que parece indeciso na escolha das cores, embora eu imagine que exista um bom motivo para cada uma delas, não conhece limites. Tudo que a luz do sol toca adquire um tom de simplicidade, não existe exagero na hora mágica, e eu me imagino sinestésico, enxergando a harmonia, ouvindo a paz e sentindo o cheiro da satisfação, que tem o mesmo cheiro das duas árvores do descampado perto de casa.

Caminho para lá, as duas irmãs me esperam, eu as observo e percebo que além das árvores do

descampado, minha visão inevitavelmente captura os tons de cinza dos muros de concreto, que limitam a propriedade e a imaginação. Pisco os olhos e os muros desaparecem, imagino esta terra completamente desabitada, e minhas roupas se transformam em uma única peça, refletindo culturas antigas, quando ainda não havia muros de concreto. Sento debaixo de minhas amigas, sem medo dos formigueiros que vivem aos seus pés, imaginando compreender que toda a natureza respeita a hora mágica.

Livre de preocupações, esvazio a minha mente, me livrando da dura realidade e da prazerosa ilusão, esquecendo das complexidades que as outras pessoas me obrigaram a tentar entender por todo o meu ainda curto período de vida, percebendo que tudo é simples de verdade e eu não preciso imaginar isso.

Feliz e compreendendo que o momento é tudo o que eu tenho e o que eu sou, estou também ciente de que mais tarde, quando o tempo passar, terei que ser outras pessoas. Mesmo sabendo que o tempo não passa, mas nós sim. Eu e as outras pessoas. Vivendo preocupações, ações, discussões, lutas e até mesmo paz de vez em quando. E o momento presente é pacífico.

Eu me permito imaginar mais uma vez, mirando o horizonte, sucumbindo à tentação de tornar tudo mais belo e interessante do que realmente é, usando a criatividade.

Não demora e eu desisto, porque no plano do que existe e inexiste, não há nada mais belo e interessante do que o pôr-do-sol. O mágico, simples e perfeito pôr-do-sol do agora

Gabriel Aquino
Enviado por Gabriel Aquino em 12/12/2012
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