AQUELES OLHOS AZUL-VIOLETA

Irmã Terezinha adentra a sala onde dezenas de alunos a esperam com aquele olhar curioso e até certo ponto temeroso de criança no seu primeiro dia de aula.

Um par de olhos de um tom azul- violeta, pouco comum, fitou-a meio encantado, meio assustado e trouxe-lhe a lembrança de outros olhos que a fitaram um dia com carinho e depois, muito depois, com uma indefinÍvel expressão. De medo? De arrependimento? De tristeza? De vergonha?

Tudo acontecera há algum tempo quando ela ainda era muito jovem e apaixonou-se pelo mais belo rapaz da cidade, aquele que tinha os olhos mais bonitos que já vira. Olhos de um azul violeta muito raros.

Namoraram e algum tempo depois ficaram noivos e marcaram a data do casamento para dali a um ano. Tudo muito tranquilo, sem problemas até que ...

Um dia, Irmã Terezinha lembrava como se fosse hoje. Cidinha, a irmã adolescente, entrou em seu quarto chorando e depois de muita hesitação acabou contanto que estava grávida, do noivo da irmã.

Os dias que se seguiram foram de muita angústia e inquietação.

Tristeza, raiva, desencanto, não puderam superar a preocupação com a situação da irmã.

Quando contaram aos pais, já esperavam a reação drástica. Chamaram o moço e ordenaram que desaparecesse levando a menina com ele. Que não ousassem permanecer na cidade onde o escândalo seria prato farto para os mexericos usuais de cidade pequena.

Nunca mais Terezinha soube da irmã nem do ex noivo.

Há muito tempo não lembrava das tristezas passadas,mas aquele par de olhos da garotinha, muito parecidos com os do ex noivo, chamaram sua atenção e lhe trouxeram de volta de repente tudo de uma vez como uma avalanche.

Os mesmos olhos ... seria por acaso ... filho dele e de sua irmã ... sua sobrinha ...?

A este ponto das recordações as lágrimas estavam prestes a romper as barreiras da conveniência. Como podia uma professora-freira chorar diante dos alunos que esperavam dela palavras de acolhida, de carinho naquele seu primeiro dia de escola?

Procurou voltar ao presente, deixando lá atrás as desagradáveis ocorrências e a aula foi dada normalmente, mas, por mais que tentasse não conseguia deixar de observar sua aluna.

Ao mesmo tempo tinha vontade de conversar com ela, perguntar pelos seus pais, mas não tinha coragem. Se suas suspeitas se confirmassem, ela ia querer rever a irmã e consequentemente encontraria o ex noivo. Como seria esse encontro? O passado que ela pensava estar enterrado na verdade ainda estava muito vivo dentro dela.

Dizia para si mesma que aquilo era uma bobagem. Embora raros aqueles olhos não seriam os únicos daquela cor. A menina não seria a sua sobrinha.

Resolveu tirar de vez a dúvida.

Levantou a ficha da menina e entre satisfeita e decepcionada viu que seus pais eram completamente desconhecidos

Procurou esquecer o assunto mas não conseguiu. Não podia deixar de ver a garota de maneira diferente das outras alunas.

Cada vez que seu olhar cruzava com o dela seu coração acelerava-se e uma ternura inexplicável a envolvia.

Até que um dia, por um desses acasos que parecem não serem meros acasos, ela ouviu quando a menina conversava com uma colega:

Eu nasci em São Jorge dos Pinheirais no dia 10 de Marco. Minha mãe chama-se Ana, mas eu tenho outra mãe biológica que eu nunca vou conhecer.

—Mãe biológica? Que é isso?

—Sei lá.

Mais uma avalanche de tristes recordações tentaram tirar o equilíbrio de Irmã Terezinha.

Fora num dia 10 de março, em São Jorge dos Pinhais, alguns meses depois do seu rompimento com o noivo que ela deu entrada em um hospital público para dar a luz o filho que esperava.

Deixou-o no próprio hospital para adoção. Não quis vê-lo nem mesmo saber seu sexo. Já que não podia ficar com ele, decidiu esquecê-lo, mas agora estava ciente de que não podemos simplesmente passar uma borracha nas lembranças incômodas, principalmente quando se trata de
um filho ... ou uma filha...


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Maith
Enviado por Maith em 07/12/2012
Reeditado em 07/12/2012
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