O presépio de Maquiavel.
Naquela cela tudo era irrecuperável, as paredes rochosas e frias, o chão urinado, o homem aprisionado e esquecido no sistema carcerário. A comida surgia vez em quando por debaixo da velha porta de ferro carcomido por ferrugem, a água gotejava do teto quebrando o silêncio e se transformando em sinfonia; numa monotonia maquiavélica a torturar qualquer ser humano.
Maquiavel suportava-se.
Apegava-se a uma parcela de vida que ainda rompia através do gradil no alto da cela. O vento aturdia dirimente, o sol pouco iluminava, mas ainda assim, fazia arder brotoejas e sarnas.
Um assovio feria o silêncio e um par de olhos faiscantes surgia lhe intimidando. Nenhum rosto, nenhuma palavra, uma sombra se afastava conflitante. Maquiavel retardava a respiração, buscava um silêncio ulterior, buscava ouvir qualquer resquício de civilização, um elo que lhe permitisse uma esperança derradeira. Nada. E era o “nada” um castigo absoluto.
Na parede nada havia para marcar ou denunciar o tempo e era a memória quem assinalava as primaveras passadas. Prisioneiro número 27; 1933, ano de Cristo, estavam riscados feitos num relevo quase rupestre. Maquiavel lembrava-se. Um último natal, agitação, alegria, tiros... E a porta sendo trancada a sua costa, e a chave girando ruidosa, e a garganta sufocando. Suas narinas queimaram pela primeira vez.
Era natal, assim, cria Maquiavel seu presépio encarcerado. E tudo se transformou naquelas mãos maltratadas, sabonetes e talheres descartáveis deram forma às figuras sacras, coroadas com papel alumínio e testemunhadas por enormes baratas.