O escritor só
Mesmo em cada pequena situação, mesmo nas horas mais corriqueiras e nos atrasos mais generosos, era impossível a ela esquecer-se, por um segundo sequer, do pequeno que carregava em seu coração. Embora já tivesse tido relacionamentos anteriores, não lhe pareciam tão profundos, tão aconchegantes, seguros e intensos como este. E era por esse motivo que lhe desprendia tanto tempo – mensagens, canções, cartas, ligações, surpresas.
E mesmo assim lhe parecia tão pouco e tão diminuto que era preciso sempre mais e mais, pequenas lembrancinhas, frases de músicas no meio do dia, declarações de amor durante a semana, entrega total aos domingos; os pequenos minutos de folga eram gastos com algo que a ligasse a ele, tamanho o amor que sentia.
Mas para ele aquilo tudo era errôneo. Cada música descrevia um amor inexistente, as mensagens eram constantes demais, as cartas muito longas, as ligações cansativas e... bem, as surpresas realmente eram surpreendentes – e ela sentia que aquilo lhe causava mal, pois ele queria poder lhe fazer em igual proporção, mas o atual salário não permitia.
O que pra ela era pouco e fajuto, para ele era mais do que o suportável, algo irreal e fora da normalidade. Para ele, ela deveria pôr os pés no chão e encarar a vida nua, crua e cruel como ela era. E, por querer ou não, lhe esfregava a face na realidade todas as vezes possíveis num único dia, repetindo a tortura durante toda a semana, mês, ano.
E era isso que lhe havia feito desistir. O começo da história fora tão bom quanto nos filmes e livros românticos, com direito ao receio da mocinha, reviravoltas provocadas pelo vilão, o suspense, a expectativa, as pazes refeitas com buquê de flores. Mas com o passar dos meses as rosas morreram, a expectativa e o suspense deram lugar a rotina, a monotomia tomou conta das reviravoltas e o receio se transformou em vazio.
E foi nesse dia incrível, majestoso, triste e solitário que ela entendeu a lição mais valiosa de sua vida: o escritor, por mais rodeado de amigos e amores que esteja, é sempre só.