CADE A CHUVA, CADÊ...?

RUBEMAR ALVES

ELA nasceu em casa, costume da época, parteira não resolveu, médico chamado extraordinariamente (que luxo!), e a prima de 14 anos foi afastada do ambiente dos gemidos por 3 dias.

Nascera a princesinha! Parecia a Branca de Neve: desbotadíssima e de repente um pouco rosada se o leite demorasse a ser “servido” – futura senhorita “bom prato cheio”...

Não sentiu o parto, mas sentia-se também “mãe” dela. Banhava, trocava fraldas (de pano, ainda!), protegia, dava presentinhos e brinquedinhos... Depois jardim de infância. Isso em evolução, durante alguns anos.

Praça da Bandeira, bairro do Engenho Velho, ELA amava chuva e se divertia com as eternas enchentes (até hoje sem solução), jogava barquinhos de papel pela janela bastante alta da casa, frente de rua.

Mudou-se bem menina ainda. Não foi o fim das águas.

Depois, bairro de Catumbi, enchentes outras, terríveis, calamitosas, que só os engenheiros do Sambódromo conseguiram “curar”. Houve até música – “Choveu, Catumbi encheu...” Fugia de casa para entrar na água, por vezes pela cintura, agarrando-se nas grades das casas.

Mais tarde a prima foi trabalhar numa grande loja de departamentos no centro da cidade. Houve badalado desfile de moda outono-inverno, aplaudidíssimo, com ainda muitas sobras do estoque das roupas elegantes... e bastante caras.

Aniversário da mocinha chegando, 30 de maio, dia de Santa Joana D’Arc, heroína francesa, a prima separou uma capa de chuva. Seda grossa. Modelo parisiense? Talvez. Não era assim uma capa “qualquer” e podia ser também usada como casacão de frio pois tinha duas faces – uma azul-rei, brilhosa perolada, outra branca apresentando em preto desenho de pequenos guarda-chuvinhas. Ah, e um lenço de cabeça, grande, triangular, nos mesmos tecidos, a ponta ao longo do pescoço. (“Como é este lenço?” - ora, caro leitor, existe bem mais recente foto famosa da Audrey Hepburn.)

Foi a apoteose. Um presentão!

Acontecimento inédito no Rio de Janeiro. Simplesmente não chovia... Terminara maio, veio junho, seguiu julho, já entrando agosto e nada de São Pedro despejar água pesada na Terra! De vez em quando um vago chuvisquinho que logo passava.

Povão em pânico, autoridades idem: brutal racionamento. Ainda tentaram uma tal de chuva artificial, nada deu certo.

O frio também não deu as caras muito forte, de modo que ELA não conseguia estrear a famosa capa.

Manhã de domingo, o pai a acordou com a feliz notícia de que...

“Está chovendo!”

Não assim uma chuva farta, porém mais que uma simples garoa. Na rua, as pessoas riam e confraternizavam. Calçadas apenas molhadas.

Hora de comprar jornais. Tomou o lugar do pai, andarilho das manhãs.

Higiene matinal, dentifrício, sabonete, banhou-se rapidamente, toalha, vestidinho fino e... a capa. Cor predileta era o azul, arrumou-se com a capa e o lenço. E botinha curta para combinar, em passos bem lentos, ELA desfilante.

Exagero por desespero – até rimou.

Jornaleiro espantado a atendeu sem comentar.

Mas aí, “...só isto? (ELA pensou) – quero me exibir mais.”

Sol ressurgindo, céu outra vez azul.

Entrou na padaria, pediu pão-bisnaga (falava-se naquele tempo “pão... francês”).

Saiu. Lembrou-se de expressão regional de amiga paulista: aí, junto ao balcão, ‘trocou-se’, isto é, virou capa e lenço pelo lado contrário, agora estamparia típica de chuva e sorriu para algumas pessoas até mesmo desconhecidas.

Voltou para casa no mesmo passo ‘sempre-em-frente-(marche, não)-desfilante, agora quase rebolativa, mentalmente cantando vitória...

Saiu de casa no outro dia, céu lindíssimo, nuvem nenhuma. “Capa-pra-quê-hoje?” Ficou no cabide.

Tempestade no meio da tarde, chegou em casa encharcadíssima!!!

F I M