Perdendo Oportunidades

Perdendo Oportunidades

Um Causo curto..

( No universo da Praia de Itapoã )...

Uma manhã, melhor uma belíssima madrugada de um sábado qualquer. Um nascer do Sol, melhor de um belíssimo e dourado Sol, não de um Sol qualquer, mas de um Sol que a cada manhã nos visita na nossa também belíssima Praia se Itapoã...

“Quanto custa o limão galego, Alex? Bom dia meu caro!”

“Olá! Bom dia! Na verdade deveríamos dizer: Boa madrugada. O senhor não dorme seu Nandú? Sempre aproveitando as oportunidades, hein? Leve os limões, são os últimos da safra, que já está findando. Custa somente R$ 1,00 a dúzia”. Respondeu-me e continuou: “Aproveite. Tenho também laranjas Bahia, seleta e lima”.

“Alex, você não fica nem com a cara vermelha, vendendo limão caro e azedo? Mas vá lá, me dê meia dúzia só do tal limão... Outro dia levo também laranjas”.

Assim começo o meu dia na feira livre nas madrugadas/ manhãs dos sábados no Bairro de Itapoã. Faça sol ou chuvas, marco presença sempre. 25 anos... Já vi passar uma geração de feirantes.

Tenho isso como uma liturgia religiosa e o faço com enorme prazer. Aqui revejo amigos. Feirantes, gentes alegres e felizes de poderem estar aqui a cada sábado, com os seus produtos, resultados de um trabalho árduo, porém gratificante. Encontro-me também com caríssimos e fraternos vizinhos. Um reencontro leve e festivo.

Começando a “Via Crucis”, olho para o lado da banca do Alex e quem encontro à postos? O Douglas o meu “amiguinho/segurança” com o melhor preço/ frete, que me auxilia a carregar as pesadas compras – que pesam barbaridade à medida que vou comprando/enchendo as sabidas, ao longo da feira-, que são um excesso para a minha idade. Carrinho de ferro (desse usados na construção civil) às mãos...mãos à obra!

“Bom dia, Douglas. Já à postos?

“Sim senhor”.Responde . Ele não é muito de papo.

“Então vamos lá meu garoto”...

É sempre uma excelente oportunidade para nós citadinos podermos comprar os produtos frescos que se nos oferecem as feiras livres organizadas aos moldes das que ocorrem aqui em Itapoã. Os produtos, vários – frutas, legumes, hortaliças; também grãos leguminosos e/ ou outros, são resultados oriundos basicamente do trabalho da Agricultura Familiar. Alem da oportunidade de participarmos/apoiar uma atividade socialmente correta, e também é a garantia de estarmos adquirindo produtos de boa qualidade.

Também é prazeroso o fato de não se ter a figura do intermediário, esse ser quase sempre ganancioso a querer o lucro fácil. Outra coisa também prazerosa: a relação téte-à-téte, produtor/freguês/ consumidor e a constatação de satisfação estampada no rosto de cada feirante, ao sentir-se reconhecido como gente. Só isto já é suficiente... vale a pena...

Continuamos andando, parando aqui, ali e mais à frente... esbarro, desculpo-me, peço licença. Vou e volto. Compro, escolho, falo com um e com outro. “E Flamengo? Chiiii... nem me diga!” Revejo amigos; cumprimento outros andantes, abnegados, suados, risonhos, alegres, raivosos (nem tantos)... Outros feirante/barracas... Com chuvas... Sem chuvas... Com o frescor das manhãs a se dissiparem com o nascer do quente Sol. Com chuvas então...

Aí a feira fica uma beleza!

Caminhar pela feira... Um rali... Sombrinhas, guarda-chuvas... Poças d’água... Carrinhos de feira... Caixotes, caixas. Tantos obstáculos a serem vencidos. Uma gincana. Ótimo! Um prazer e um barato!

Paro. Compro flores na barraca da Neuza – margaridas, rosas, cravos, crisântemos. N barraca do José Macedo, compro abóboras maduras (sempre enxutas), melancias. Com o Ernesto, compro feijão – mulatinho, terrinha, bico de ouro, nova planta, preto, também cachaça de Bx. Guandu. Na banca do Samuel, legumes e hortaliças. Banana da terra com o Jairo... Com o José, frutas diversas... Ah! Aqui a minha manga favorita: Primorosa...

“Como vai Nandú? Comprando manga hein? O senhor não esquece”...

“Sim, meu jovem José... Como sempre”.

“Já terminou as compras ou tem mais alguma coisa? Não terminou, tem mais? Então eu te acompanho estou indo para lá ”.

“Mas você vai largar a banca assim?”

“A minha ajudante dá conta, pode deixar”.

“Então... Bem, eu vou mais prá lá, até o final... Vou comprar pimentas malaguetas, logo ali”.

Saímos caminhando... Junto a nos acompanhar, Douglas com o carrinho carregando as sabidas já abarrotadas.

Paramos na barraca do Reinaldo. Bem, paramos eu e o Douglas, pois o José foi cuidar da sua vida. Aqui compro temperos verdes ( salsinha, coentro,cebolinha, hortelã). Também aipim, cenouras e cará moela.

... Andando fomos “feirando em frente”, pela já a essa hora, movimentada feira, comprando aqui e acolá. Brincando, mangando com conhecidos e/ou não.

Na barraca do Antônio escolho alho, colorau, pimenta do reino, orégano. Queijo é com o Beckenbauer ( Colesterol ), também carne seca, embutidos... Na banca da Derly, frutas, entre outras, mamão, maçã, ameixas... Carnes suínas com o Jones ( O nosso Indiana ). Frango abatido, é com o Marcos. Pescados logo mais à frente – passo ao largo... Mas o camarão sete barbas hoje está irresistível, um luxo!

“Ah! Douglas!, já ia me esquecendo da barraca do Germano ( um real!)”. Vamos pegar o inhame, couve- flor, vagem, chuchu, jiló e tomates italiano...

Bem ninguém aqui é de ferro vamos ao lanche: Caldo de Cana. Na feira de Itapoã o melhor caldo d Vila Velha. Aproveitemos a oportunidade.

“Oi! Meu amigo! Sai dois caldos e dois pastéis de palmito com bacalhau, aqui para o velho”! “Tá bom assim Douglas?” “Não senhor. Eu quero de queijo com presunto”.

“Seu Nandú. Veja quem vem lá. O seu companheiro da Vale. Aquele que sempre fala no salários da aposentadoria. Valia prá lá , Valia prá cá. Só fala nisso”...

“Olá Chiquinho! Está meio sumido”...

“Cara, nem te falo! Sumi sim e quase que para sempre! Essa semana que passou, passei um mal danado. Cheguei a parar no hospital, tão ruim estava. E o pior: não descobriram o que era.

Fiz exames de tudo. Pela minha idade, acharam que poderia ser algo com a próstata. Você viu né? Um vexame! Não sei como não morri. Que situação... Que vergonha “...

“Preconceito, puro preconceito Chiquinho!

“ Mas Chiquinho, porque você não aproveitou a oportunidade e não morreu”? Perguntei.

O inesperado, o inusitado da minha observação, da minha brincadeira, provocou uma enorme gargalhada dos feirantes que estavam nas adjacências, ao assistindo e ouvindo o papo. Chiquinho, estático e boquiaberto olhando sem graça para os risonhos feirantes, ficando sem ação.

“ Nandú...Ora seu”...

“Chiquinho, Chiquinho”... Rindo perguntei: “Quantos anos você tem? 77, talvez uns 79 anos”... Ele ainda não refeito do choque e sem graça respondeu.

“Tenho... 80 anos, Nandú. Completei recentemente”.

“Então Chiquinho! Não se preocupe, nessa idade – octogenária -, a gente morre quando quer... Se for pirracento então... Não morre nunca”!

“Conversa! Conversa Nandú.”

“Verdade, verdade cara! Veja bem, presta a atenção: Deus nos criou para vivermos com tudo encima no máximo até aos 60 anos. A partir daí, o livre arbítrio entrou em cena e por decisão do homem, apoiado em tecnologias, drogas e outras “coisitas” a mais, ele prorrogou esse tempo divino para lá do razoável. O ônus disso são a exposição a doenças próprias dessa prorrogação. Também, o que resulta em alguns casos precarisação da qualidade de vida, e de toda problemática vivencial do idoso.

Os médicos, os planos de saúde, fazem farra! E as drogarias, os Hospitais?... Um montão de comprimidinhos... Até um famoso de cor azul... De manhã, tarde e noite e exames de... Toques ”!

“Por isto que eu disse... Não aproveitou a oportunidade”... “Agora agüenta”!

“Qual o quê, cara”!

“Veja bem! Você mais uma vez não aproveitou a oportunidade para morrer: A primeira ao fazer 60 anos ( o tempo de vida Divino ), agora ao fazer 80 anos ( 20 anos tempo de sua livre escolha, ajudado por drogas, etc...)... Você perde uma carona, deixa a morte ir embora e fica reclamando que passou mal? Uma doencinha qualquer! Está reclamando do quê? “...

”Cara, não é todos os dias que aparece uma boa chance, uma oportunidade dessa”!

“Você perdeu a oportunidade de se safar de tantos sofrimentos”.

“Coisa de ferroviário mesmo. Já pensou? Você... Mortinho numa hora desta?”

“Supimpa!”

BNandú 07/02/2010

BNandú
Enviado por BNandú em 01/12/2012
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