Apinajé tocava cangoeira feita com um osso do pai morto em conflito com o homem branco que construía a Belém-Brasília e quando resolveu falar Português, a índia revelou que há meses rondava Campo Grande e no silêncio da noite, bebia de um rio cujo nome sua língua não falava. Colhia frutas na chácara e dividia com um bezerro as tetas de uma vaca mansa que lhe dava de mamar. Disse que viu a onça pintada abater o bezerro que, para ela era irmão-de-leite. Por isso, perseguia a pintada quando foi acuada pelos cães do homem branco. Disse também que fugira de sua tribo em Goiás logo que os deuses encomendaram castigo de destruir a floresta. Ela quis saber do marido quantas luas homem branco gastava montado em seu cavalo-de-ferro, dali de Juramento até Bico do Papagaio.
— Sê besta mulher! Morcegar traseira da vespa de Vespasiano até Goiás e com uma barriga deste tamanho!?...
A índia se referia ao animal fumegante que servia de transporte para branco. Queria pegar a jardineira de seu Neco Braga, até Montes Claros, e daí em diante, tomar rumo da aldeia noutra condução. Nunca foi.
Ela gemia em dores de parto.
Parir de sete meses, não era bom sinal para Apinajé nem para a cria. O primeiro filho também foi prematuro. Vingou bem. Para lidar com caça, cafuzo Adail vingou bem. Desaparecia na mata sem deixar rastro. Era preguiçoso para pegar no pesado com o pai, mas corajoso para entrar na mata atrás de uma caça. Passo macio, veloz e ligeiro chegava com um tatu a tiracolo. O pai desgostoso sabia que o filho bebia cachaça nas vendas do povoado.
— Vá tomando nota aí, seu Jerômo. Quando interar cinco eu trago outro tatu-preto pro Sinhô.
Era bom negócio para Jerônimo que vendia caro ao doutor Adilson, tanto a bebida quanto a farofa de tatu e ainda proseava contando vantagem:
— Fui eu quem pegou. Peguei debaixo do bigode da onça. A pintada vinha sentindo o tatu, os cachorros deram nela e eu saltei na caça.
Dr. Adilson pigarreou. Dona Angélica de Quadros desconversou:
— Neste quadro Adilson também gravou o nome dele.
Jerônimo fez-se desentendido.
—É... tive uma ponta de medo.
—Tamanduá-bandeira não tem medo de onça, disse zombeteiro o doutor.
— Apinajé morreu de que mesmo? Indagou Angélica.
— A mulher do vaqueiro de Cláudio morreu de parto.
Apinajé não tinha nome, mas deu nome ao marido Zenofre de Apinajé. E em dores de parto deu-lhe também Chanana, a última flor inculta e bela. Foi quando a filharada debandou de casa. Sete caburés de cabelos grossos, corridos, guiados por Adail, fundaram enfileirados na mata, feito filhotes de perdiz, e depois de ziguezaguearem durante muitas luas, encontraram remanescentes Jês e lhes deram boas e más notícias: “Índia Apinajé casar. Ter muitos filhos. Índia morrer no parto de Chanana. Chanana morar com pai Zenofre, longe, longe muitas luas deste chão”.
Para Zenofre, depois da passagem de Apinajé para o outro lado da vida, a fazenda Campo Grande era só tristeza. João Velho viu urubu fazendo sombra no rumo da furna da onça. Foi ver. E viu. Viu o vaqueiro pendurado, balançando em um galho de pau-preto. Mal de Banzo, Zenofre morreu de tristeza, diziam. Outros vaqueiros e trabalhadores braçais migraram para a cidade, quando a viúva do fazendeiro vendeu os teréns e foi embora para o Rio de Janeiro.
— Sê besta mulher! Morcegar traseira da vespa de Vespasiano até Goiás e com uma barriga deste tamanho!?...
A índia se referia ao animal fumegante que servia de transporte para branco. Queria pegar a jardineira de seu Neco Braga, até Montes Claros, e daí em diante, tomar rumo da aldeia noutra condução. Nunca foi.
Ela gemia em dores de parto.
Parir de sete meses, não era bom sinal para Apinajé nem para a cria. O primeiro filho também foi prematuro. Vingou bem. Para lidar com caça, cafuzo Adail vingou bem. Desaparecia na mata sem deixar rastro. Era preguiçoso para pegar no pesado com o pai, mas corajoso para entrar na mata atrás de uma caça. Passo macio, veloz e ligeiro chegava com um tatu a tiracolo. O pai desgostoso sabia que o filho bebia cachaça nas vendas do povoado.
— Vá tomando nota aí, seu Jerômo. Quando interar cinco eu trago outro tatu-preto pro Sinhô.
Era bom negócio para Jerônimo que vendia caro ao doutor Adilson, tanto a bebida quanto a farofa de tatu e ainda proseava contando vantagem:
— Fui eu quem pegou. Peguei debaixo do bigode da onça. A pintada vinha sentindo o tatu, os cachorros deram nela e eu saltei na caça.
Dr. Adilson pigarreou. Dona Angélica de Quadros desconversou:
— Neste quadro Adilson também gravou o nome dele.
Jerônimo fez-se desentendido.
—É... tive uma ponta de medo.
—Tamanduá-bandeira não tem medo de onça, disse zombeteiro o doutor.
— Apinajé morreu de que mesmo? Indagou Angélica.
— A mulher do vaqueiro de Cláudio morreu de parto.
Apinajé não tinha nome, mas deu nome ao marido Zenofre de Apinajé. E em dores de parto deu-lhe também Chanana, a última flor inculta e bela. Foi quando a filharada debandou de casa. Sete caburés de cabelos grossos, corridos, guiados por Adail, fundaram enfileirados na mata, feito filhotes de perdiz, e depois de ziguezaguearem durante muitas luas, encontraram remanescentes Jês e lhes deram boas e más notícias: “Índia Apinajé casar. Ter muitos filhos. Índia morrer no parto de Chanana. Chanana morar com pai Zenofre, longe, longe muitas luas deste chão”.
Para Zenofre, depois da passagem de Apinajé para o outro lado da vida, a fazenda Campo Grande era só tristeza. João Velho viu urubu fazendo sombra no rumo da furna da onça. Foi ver. E viu. Viu o vaqueiro pendurado, balançando em um galho de pau-preto. Mal de Banzo, Zenofre morreu de tristeza, diziam. Outros vaqueiros e trabalhadores braçais migraram para a cidade, quando a viúva do fazendeiro vendeu os teréns e foi embora para o Rio de Janeiro.