A SABEDORIA DE CASCUDO
 
 
Amâncio era um sujeito tido como esquisito, pacato, sentimental. Respeitava a vida não importava a forma em que ela se apresentasse. Chegava a mudar o passo pra não pisar em formigas.  Morava em uma casa com um quintal enorme onde plantava quase tudo, de hortaliças a ervas medicinais. Mas vivia só; contava apenas com a companhia de um casal de cães.
 
Com uma campanha contra doenças, Amâncio passou a vistoriar periodicamente um piso mal feito próximo a um tanque em seu quintal. Certo dia ele encontra um besouro se afogando em uma poça d’água que se formara ali. Rapidamente ele pega uma folha e salva o inseto da morte certa. Carrega-o, ainda na folha, e o coloca sobre um canteiro próximo. No dia seguinte, nova vistoria, e lá está um besouro se afogando. Amâncio age rápido e repete o feito do dia anterior. Uma vida era uma vida, não importava em que nível fosse.
 
Algum tempo depois, perto dali, num daqueles canteiros, sob uma casca de árvore acontecia uma reunião, onde se destacava um besouro, em uma posição mais alta, rolando uma bola de... uma bola, pra lá e pra cá. Dizia:
 
- ... aquele que não acreditar ainda pagará por isso. Eu tive a sorte de ser salvo duas vezes pelo mesmo ser de benevolência.
 
E era contestado por um ou outro que se recusavam a acreditar na existência de tal ser.
 
- Você deve estar delirando, Besouro Cascudo. Esse ser não existe. Deve ter sido o desespero do afogamento. Esse Mandão não existe.
 
- Tenho certeza da existência do Ser Mandão. Ele molha a terra, fertiliza e planta.Tudo ao nosso redor foi ele que fez.
 
- E qual o propósito?
 
- Pra nos fazer felizes. Pra que possamos procriar. Porém não devemos desobedecer suas leis. Ele nos deu tudo isso, mas nunca devemos tentar ultrapassar esses limites. Ao fazê-lo perdemos sustentação e caímos em poças d’águas, profundas, e pereceremos.
 Devemos tomar cuidado com as poças d’águas...
 
- Pois eu já estive andando por aí e não vi nenhum Ser assim como você está falando. Se não arriscarmos atravessar a fronteira, como saberemos se não haverão outros canteiros iguais a esse por aí?
 
- Pois eu digo que o Ser Mandão sabe de cada um de vocês. E aquele que tentar será severamente castigado.
 
- Ah... Para com isso! Sempre acreditamos que devíamos tudo àqueles que nos fornecem matérias pra nossas bolas. Que eles eram nossas fontes de vida. Agora quer mudar toda nossa forma de pensar? Você está louco! Ou está misturando muito daquela erva lá do fundo aí nessa sua bola.
 
- Bem, quanto a coexistência dos fornecedores de matéria pras bolas e o Ser Mandão ainda é um mistério a ser explicado.
 
A maioria deu risada do Besouro Cascudo e saíram pra juntarem material pra suas bolas. Poucos ficaram e se interessaram pela história.
 
Amâncio, continuou atento à campanha. Vez ou outra salvava algum besouro desatento.

Cada vez que isso acontecia, no canteiro, sob aquela casca de árvore, outra reunião se formava, e inevitavelmente surgia referência a um tal Sábio Cascudo e, quase sempre, acusações sobre o uso de uma tal erva, lá do fundo do canteiro.
 
 
 
 
Walter Peixoto
25/11/2012
Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 25/11/2012
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