Gosto de amora
Quando me lembro...
A menina, no Jardim de Infância, encantada com os livros. Adorava ouvir histórias. As páginas continham segredos. Eram riscos, rabiscos, que não sabia decifrar. A professora era sua heroína. Ouvia, ouvia...sonhava...sonhava. E o balançar dos brincos, as mãos, lindas unhas vermelhas, tudo era mágico. Mais que admiração, era quase uma reverência.
Depois, os momentos de brincadeira com os amigos da vizinhança. Os passeios até o lago, em bandos. Os pais não se preocupavam. Nadávamos, pulávamos de “trampolins” oscilantes de madeira. Era tudo natural. Ainda sinto o suor saudável nas intermináveis “bola queimada” (o alvo éramos nós mesmos). A subida no pé liso da goiabeira. Num instante estava lá no alto, saboreando a fruta no pé. Que esterilizar, que nada! E ninguém ficava doente. Aliás, fiquei sim, de “molho” no quarto fechado, por intermináveis dias, com caxumba dupla. Doia até pra engolir. Era repouso e a pomada malcheirosa e escura...o tal de Iodofricson (?). Só esta vez me lembro ter ficado doente.
Morava numa cidadezinha paulista e amava as férias na casa dos tios, no Paraná. Londrina, Rolândia, Maringá, Curitiba. Várias e várias idas (de Kombi lotada com primos) à praia de Vila Velha. A areia fofa, branquinha, as pedras que avançavam no mar, as ondas lambendo nossos pés. Intermináveis “pega onda”e muita água salgada engolida. Coitados dos siris. Pegávamos aos montes , até o dia em que a bronca foi enorme. Entupimos o tanque com tanta areia dos bichos que jogávamos ali. E era tudo brincadeira. À noite, era hora de sentarmos, para ouvir histórias de assombração. Morríamos de medo. Mas era um medo gostoso e cúmplice. Intuitivamente sabíamos que aquilo não era real.
E também, os passeios pelos campos. O descobrir os bichinhos nas plantas. Joaninhas , lagartas, sapinhos coloridos (hoje dizem que são perigosos, venenosos), vaga lumes. Brincar nos fios de água de riachos limpos, encantada com os peixinhos e girinos.
Fruta do conde, cajá-manga, siriguela, jambo (ai que delícia, tem cheiro de rosa), tamarindo, jatobá , que nos deixavam a boca cheia de um pó verde, insosso. Tudo era pelo prazer da descoberta. Do curtir saudável, novas e novas aventuras.
O escorrer do sumo de amora, colhida nas cercas vivas.
“Você come amora? Vou contar pro seu pai, que você namora”.