A ÚLTIMA VIAGEM (FINAL)
Os filhos, bons filhos, prometeram à velhinha que nunca haveriam de esquecer dos pais, nunca, nunca. Mas se revoltaram; se o pai estivesse ali as coisas seriam diferentes, um pouquinho mais amenas. Chegou a manhãzinha. O médico havia dito que só um milagre salvaria a paciente... o milagre não aconteceu. Choro, lágrimas, desmaios, tudo que acontece em casos idênticos aconteceu ali. O velório foi no necrotério municipal. O povo do bairro do Bracaiá veio inteiro e tudo se consumou.
Vamos agora deixar por conta do óbvio o sepultamento e o retorno dos três filhos e o reinício de uma outra vida, se é que se pode chamar de vida três solteiros órfãos e uma fazendola abandonada por cuidar. Voltemos nossa atenção à Dona Cremilda. Nos últimos instantes de vida aqui na Terra, ela, rezando alto, pediu a Deus que olhasse por seus queridos filhos na Terra, que ela sabia não ter cumprido o seu dever de cristã, mas estava disposta a expiar as suas faltas cometidas na juventude e que ficara em segredo somente entre ela e Agenor. Que hoje ela sabia ter de pagar o seu grande pecado cometido. Cristo já nos disse que: “Não tomeis o bom por bom nem o mau por mau” e “Não julgueis para não serdes julgados”. Lembrando estas palavras de Cristo ela entrou em agonia até completar o óbito.
O tempo passou. Depois de um longo período de aflição na escuridão total, sem saber a quem mais apelar, o espírito de Dona Cremilda expiou os martírios necessários para a sua evolução espiritual. Quando conseguiu abrir os olhos, pode ver que estava num terrível pantanal, entre os réptis peçonhentos, como cobras de todos os tamanhos, rãs, sapos, escorpiões, etc. que lhe faziam companhia e se enrolavam em seu corpo fluídico. Quanto mais o espírito tentava sair dali mais afundava e mais os bichos corriam pelo seu corpo. Ao ver-se naquele inferno o espírito de Dona Cremilda começou a gritar pelos santos de sua devoção que lhe tirassem dali, mas ninguém aparecia. Quando esqueceu um pouco dos réptis peçonhentos e levantou os olhos para a margem desse orco terrível, viu uma mão estendida para ele e ouviu uma voz:
— Vem querida, o seu sofrimento já acabou. Era Agenor, vestido inteiro de branco entendia-lhe a mão para o divino socorro. Ao sair do orco em que ficou, nem sabe quanto tempo, o espírito de Dona Cremilda percebeu que estava limpo daquela lama pegajosa e já podia ver tudo. Abraçou Agenor e perguntou-lhe:
— Meu amor, o que aconteceu com você?
Agenor responde:
— Eu fui assaltado na minha última viagem, pois ia levando jóias para você e relógios de ouro para nossos filhos, tudo de muito valor e nesse assalto tiraram-me também a vida, mas já pedi ao Pai que perdoe aos rapazes que me fizeram isso e eles serão perdoados. Mas agora é muito cedo para recordações. Vamos para casa, você vai gostar. Eu fiquei muito tempo cuidando da casa e do jardim no qual plantei todos os tipos de flores que você gostava e outras tão lindas que não existem na Terra. Não é somente uma casa, mas uma chácara divina que ganhei de Jesus pelo meu pequenino trabalho na seara da caridade. Com a permissão dos mentores espirituais dei um nome à nossa chácara, um nome lindo.
— Qual o nome? perguntou o espírito de Cremilda.
E Agenor respondeu:
— É um nome lindo, nome de rainha, nome de pessoas bem sucedidas em tudo que fazem. Chama-se CHÁCARA ELIZABETH, mas isto, teremos muito tempo para conversar, não se preocupe agora.
Pegando na mão do espírito de Cremilda, Agenor, também espírito, subiram pelo infinito, volitando livres, felizes, leves, para a nova morada. Nesse instante, na Terra, lá longe, naquele planeta azul, na cidade de Salé, os sinos repicaram para a missa do Domingo de Ramos. E os seus filhos, vestidos com roupas novas, sapatos brilhantes, numa charrete puxada por dois cavalos brancos, levando ramos para o padre benzer, chegavam à Igreja e eram cumprimentados pelo povo que os chamava de senhores. Era Domingo de Ramos.