o estranho que sentou na minha casa
Já era tarde da noite, por volta das 23 horas. Costumava
Dormir sempre por volta desse horário logo que acabava
O dia esportivo, um resenha de futebol que toda noite
Passava na rádio Itabuna .
Minha mulher deitava mais cedo ainda, mal jantava
E estava cochilando: vai pra cama! Todo dia a mesma coisa,
Vai pra cama! Babava no sofá de frente à televisão.
Eu preferia ficar na varanda, ouvindo meu rádio e fumando,
Entretanto nesse dia algo me chamou atenção. Mas espera,
Antes disso: Grite ela ir pra cama e fui tomar um vento.
O vento aqui de noite É bom, é fresco, gostoso mesmo... nem parece a quentura de inferno que faz durante o dia.
levei o rádio e coloquei sobre o muro ..quando voltei pra dentro de casa. Quando acabou o programa, desliguei o rádio e entrei pra sala
e aqui começa minha angustia: havia um Homem sentado na poltrona do canto.
olhei e não me assustei, mas fui tomado de muita curiosidade,
era um fato novo, coisa que não costumava acontecer
...não vi ele entrando e nem sequer chamei ninguém...pensei se não era amigo de minha mulher. Não acreditava
Nisso, ela foi fiel a vida toda, não faria isso comigo...Ele de chapéu,
Me olhava, fumava dentro de casa, coisa que minha mulher
Odiava. Por causa dissojá o achei corajoso...
Nos olhamos, mas nenhuma palavra saiu de sua boca, ou da minha.
Apenas um cumprimento vago com a cabeça. Ficamos nos olhando, me ofereceu o fogo pra que eu pudesse Acender meu cigarro. Eu não podia acender um cigarro ali, Não na sala, não sala não, isso seria cruel, muito cruel. E se a fumaça fosse pro quarto, se ela acordasse, Se ficasse brava comigo...não que eu tenha medo,
Mas é um transtorno, uma chateação que eu evito
ele parecia não se incomodar, fumava Tranquilamente, e ria em silêncio pelo canto da boca, num ato de exibição. Como se quisesse me provocar ou se mostrar superior.
Deixei ele por ali, fui até a cozinha e sentei à mesa. De onde conhecia Esse cara? Um todo de rosto passeou na cachola, lembrei de gente Que há muitos anos não aparecia...Não era daqui de perto, conheço todo mundo desse Lugar. Estou aqui a todo custo, e minha mulher me contaria. Não chamaria alguém aqui pra casa, sem me avisar...e acima de tudo, sem que desse a autorização. E claro,
Pensei muito...pensei também em acordá-la, saber, perguntar:
“Quem é o homem de chapéu que esta na sala?”. Fui até o quarto
vi que ela dormia tranquilamente , serenamente, não, deixa isso loucura agora não. Isso não tem nada a ver com ela...não, sentei do seu lado e acarinhei seu rosto, ainda bonito e passivo de ciúmes, mas não tive vontade de acordá-la, já estava tarde e muito cansada
passava o dia todo labutando dentro de casa, fazendo comida, lavando roupa, ou cuidando dos meninos das irmãs que moram
aqui perto , não, de forma alguma, deixei ela dormindo e de novo Voltei a sala...
sentei na outra poltrona e era incrível como ele estava a vontade
como se a casa pertencesse a ele e não mim, de repente, me dei
conta, estava com uma visita, um estranho na minha própria casa,
e eu não sabia nada dele.
Peguei algumas revistas que estavam no centro, e fingia
folhear, esquecer um pouco daquele estranho, mas era tão fascinante tentar conhece-lo. Seus olhos não desgrudava do jornal
esportivo...como se eu fosse invisível. Vi que tinha bigodes, o rosto já não era jovem, os lábios
finos e mexia suas mandíbulas, apertando lentamente os dentes, como se não pudesse expressar sua raiva..
Seu rosto passava calma, mas realmente não conhecia, juro que a coragem de lhe perguntar me faltava, vinha
a pergunta na boca, na garganta, eu me recolhia, já um pouco assustado...( quem é o homem de chapéu na minha sala)
suas mãos eram finas, mãos delicadas de gente culta, que nunca levantou uma palha na vida, que teve tudo de bom e do melhor, mão bem cuidada de gente que foi amado. Não me lembrava a mão de um trabalhador da roça que acorda cedo, que pega no pesado e que
andava de jeito quase morto até chegar no roçado de tão cansados
que são...de tão capengado e bagulhado...
e seus gestos eram finos como o do pessoal que vem de salvador
em épocas de política: quem era: o sapato era limpo, brilhava
de preto, de couro bem trabalhado com vincões bem circulados.
Gente que se cuidava, não era qualquer. Dava pra ver que não era qualquer porcaria , era gente de outro modo, e isso me constrangia
Me deixava envergonhado, nunca imaginei... e ao mesmo tempo muito puto, com raiva, Pois a casa, o sofá e o cigarro que fumava era meus, eram meus cigarros. Meus! Ele se enchia de prazer como se fosse ele que tivesse Comprado...
Estava tarde, meu corpo já pedia cama, tranquei a porta com ele
Ainda sentado, dentro de casa, na minha sala, e fumando como uma
Caipora. Olhou com gesto de agradecimento, na bolota de meus olhos ( não tinha medo de mim) acendeu outro Cigarro e virou a página do jornal...como se tivesse relaxado Algo dentro dele...
Na minha cama deitei do lado de gorete, e vi seu rosto de menina
Ainda esse rosto de menina pura apesar de um pouco triste,
E pensei comigo: não, com certeza esse homem na sala não tem
Nada a ver com ela, não foi ela que trouxe esse homem
De chapéu pra nossa vida....