Reencontro de si mesma

Sentados, aguardam se entreolhando. A duas mesas, a garçonete, com seu avental mordiscado de café, despreocupadamente assobia a canção da rádio enquanto retira da mesa grãos de açúcar, limpando-a para os próximos desconhecidos que virão.

Nenhum deles saberá seu nome, seu sorriso, sua dor ou sua solidão. Aliás, é esta doce sensação o que guarda em comum com os transeuntes, viajantes de si mesmos, insones que atravessam as madrugadas, perpassados pelos ponteiros dos relógios, afiadas lanças sem precisão, em busca de um alívio imediato para a realidade – nem que seja este o derradeiro cansaço que desfalece as pálpebras.

O inevitável amanhã chegou para o casal ali sentado, enquanto a garçonete desajeitadamente intenta retirar os copos da mesa e afastar a franja negra que insiste em cair. Refém das expressões de seu rosto, a mulher, senhora de si mesma e dona do tempo, sentada desdiz e reitera tudo o que (ainda) não foi dito, ao passo em que, simultaneamente, afasta do espelho os próprios fios, agora brancos - bocas e pés da travessia do tempo.

Entretanto, o que não se diz pelos lábios de muitas maneiras é sentido no palpitar do coração. Bastou um único olhar para se reconhecer na mocidade dos traços juvenis. Contraria todo o ontem desconhecido, embora vivido: as folhas rasgadas dos calendários, as pontas amareladas das 3x4 de sua carteira, os livros das estantes daquela sala de (mal)estar, na qual por tanto tempo aguardou sem fim este (re)encontro.

Aproxima-se, então, com caneta na mão, a garçonete. É a única mesa ocupada em um pequeno café de beira de estrada. Já é tarde e seu turno está próximo de acabar. Isto explica os olhares cada vez mais recorrentes ao relógio em cima do balcão. Aquele casal, todavia, não parece ter pressa. Suas roupas não se confundem com as dos notívagos, dos motoristas, dos mal amados.

Talvez queiram mais um momento, pensou, e então se afastou, quando a senhora lhe segurou a mão, em um gesto de espera e de ansiedade. Como se digladiasse internamente a naturalidade deste ato e a impossibilidade de realizá-lo. Querer e não querer potencialmente se confrontando dentro de si – e se avolumando na outra, na firmeza insegura de sua mão.

A mulher, hesitante, pensou que talvez os dragões fossem mesmo moinhos de vento. A voz titubeou e o olhar, cansado, pestanejou. As rugas de seu rosto, as veias de suas mãos, os fios brancos de seus cabelos e as pregas de seu sorriso: Tudo aquilo lhe dava a certeza de que não havia mais tempo a perder – este já a consumira incessantemente nas noites daquele verão em que deram adeus.

E agora se (re)encontraram.Como pedir desculpas? Como perdoar? Como ser perdoada?

As perguntas eram muitas, sinapses nervosas de uma sinopse sem fim. Sem final feliz:

- Dois cafés para viagem, por favor.

Adiantou-se assim o homem ao seu lado, pondo fim àquele constrangedor momento de indecisão. Dirigiu-se ao balcão, pagou a conta e se encaminharam para o carro.

Ao fechar a porta, sentiu novamente aquela fragrância. O cheiro do lírio branco furtado do jardim de sua vizinha, ao término do primeiro encontro. Lançou-lhe novo olhar, sorriu e limpou os olhos marejados de plenitude. Cumprimentou, enfim, a si mesma, inteira com sua metade de volta, enquanto a garçonete assobiava nova música na rádio.

Lucas Sidrim
Enviado por Lucas Sidrim em 17/11/2012
Reeditado em 08/06/2015
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