SALVAR UMA VIDA É PRESENTE DE DEUS
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BILY BRASIL – 06-11-2012 – 13,34 HS – Terça.
PQI-SBC-SP


Conheci Dona Bel, fazem menos de um mês. Quem me apresentou foram amigos de Diadema, que a conheciam. Passei uma tarde conversando com ela. Explicou que sua lentidão era devida a um AVC sofrido há dois anos, e que se sentia horrível com a mania de mexer as mãos como se as tivesse lavando. Esquecia coisas, nomes, e fisionomias, pensei inicio de Alzheimer. Gostamos um do outro, perguntei sua idade respondeu-me 59 anos. Pensei bem acabadinha pra essa idade, perguntei seu aniversário ela disse 6/11, respondi: Somos de escorpião, irmãos astrais. Ela deu um sorriso discreto e nada comentou. Perguntou se eu tinha telefone, respondi que sim e passei o numero para ela, que anotou em índices telefônicos do jeito dela. Tomei uma xícara de chá acompanhado de gostosas bolachas doce, despedi, e fui embora encontrar meus amigos.
Vez por outra se lembrava dela, achava estranho, pois o que conversáramos era puramente trivial comum mesmo. No entanto tinha alguma coisa nela que havia me chamado a atenção, só que não conseguia precisar exatamente o que. Segunda feira dia cinco de novembro, ao cair da noite, recebo um telefonema, era a Dona Bel. Convidou-me para ir a sua casa no dia de amanhã para que ela pudesse receber seu abraço de aniversário. Tentei de todas as formas sair fora, pois não tinha cabimento descer para o litoral e ainda mais sem dinheiro. Ela pediu o numero de minha conta bancária para depositar o dinheiro da passagem. Cheguei à rodoviária telefonei para sua casa e em dez minutos ela estava todo sorriso, abracei-a e perguntei veio com alguém? Ela respondeu não estou com meu carro vamos? Fiquei sem ação, como pode uma pessoa assim ainda dirigir um automóvel. Ela abriu a porta, entramos no carro e eu muito preocupado, e olha que ela acelerava ainda bem que sua casa era mais ou menos perto e fiquei aliviado quando desci para entrar em sua casa. Muita coisa não batia naquela história, mas estava lá para comemorar o seu aniversário. Assistimos TV, tomei uma ducha, jantamos conversamos depois fui dormir. No dia seguinte pela manhã, bem cedo ela já estava de pé. Abracei-a e a cumprimentei pelo aniversário. Tomamos café em seguida chegou uma senhora para fazer a limpeza era a diarista, seu nome Helena. Dona Bel estava radiante, feliz brilho no olhar, tinha finalmente uma visita. Fiquei maravilhado com a garra dessa mulher, e não me conformava dela viver assim tão sozinha e totalmente desprotegida. Sentamos na sala e não me lembro exatamente o assunto, percebi que ela vez por outra colocava as mãos no peito discretamente, e seu olhar modificava-se como se estivesse sentindo dores. Perguntei a ela que confirmou. Fiquei apreensivo, discretamente fui até a Helena e perguntei se eram comuns essas dores, ela disse que não. Não tive dúvidas, comuniquei a ela que chamaria o samu, ela nada disse. Corri ao telefone liguei para 190, informaram-me que precisaria conversar com o 192. Gaguejando passei para o atendente a situação. Passei o nome, endereço, perguntei seu nome ele disse: Marcelo, agradeci e desejei ótimo serviço na qual agradeceu-me. Era pra ser um dia de festa, afinal era o dia de seu aniversário. Pálida, queixando-se de dores deitou-se no sofá da sala. Helena tinha o ar de preocupação, continuou seu serviço na seriedade de sempre e em silencio. Fui até a sala onde fica o computador, entrei no recanto das letras, onde constatei acréscimo de visualizações em minhas poesias principalmente as que falavam de amor, nos contos e cartas. Aquele frisson poético de inicio acalmou-se afinal aprendi a ser mais seletivo com meus textos. Ouvi o som de buzina na porta, era a ambulância. Desliguei o computador, fui atender. Ela dormira. Apanhei sua bolsa com documentos e em seguida adentraram na sala os dois profissionais. Mediram sua pressão e foi constatada como normal 12x8. Infelizmente a taxa de diabetes estava altíssima. A enfermeira anotou todos os remédios que a paciente estava tomando, pegaram em seus braços e calmamente a conduziram para a ambulância. Fui à frente com o motorista, cidade pequena em dez minutos já estávamos no pronto socorro. Levaram-na para a emergência enquanto fui ao balcão de atendimento fazer sua ficha. O pronto socorro bagunça geral. Triste pensar que é o quadro que se apresenta em todo nosso país. Não havia vaga, restava apenas aguardar, sentaram-na num carrinho, onde a levava para as intermináveis salas para exames. Finalmente chegamos até a médica, olhos azuis, alta, nem feia e nem bonita, fisionomia comum não chama tanto a atenção. Pergunta como se tivesse fazendo inquérito, tudo automático, parecendo robô. SUS – sistema único de saúde, não desejo nem pra inimigo. Depois de horas, finalmente uma luz, haveria uma vaga. Fomos a uma pequena lanchonete. Saboreamos dois lanches naturais e uma pequena garrafa de fanta. Repentinamente ela urina na roupa molha-se toda além do chão. A moça que nos atendia percebeu, fiz um gesto lamentando, ela sorriu e falou baixinho: Não se preocupe senhor a gente dá um jeito. Na volta colocaram-na na sala de soro. Logicamente depois de várias picadas de injeção, que a atendente de enfermagem fez, e ainda perguntou se a paciente havia esquecido as veias em casa, sorri pra não mandar ela pra... Bem você sabe. O dia naquele pronto socorro é sempre estressante, parece uma praça de guerra. Anoitece finalmente aparece a tal vaga. Mulheres misturadas com homens no quarto. Um completo desrespeito a dignidade do ser humano. A colocaram-na cama toda urinada. Corri novamente a sua casa, a Helena havia deixado as chaves no mercadinho ao lado. Não foi necessária minha identificação, pois todos viram quando sai na ambulância. Perguntaram da dona Bel, expliquei os procedimentos do pronto socorro e entrei em sua casa já de posse das chaves. Era um estranho numa residência estranha, sensação esquisita. Parecia que estava fazendo algo errado. Achei incrível que a mulher da limpeza lavou a sala e esqueceu-se de secar. Entrei no quarto, como é difícil separar roupas para mulher, peguei toalha, calcinhas, dois pijamas e um cobertor. Voltei para o pronto socorro. Ela pediu que a ajudasse tomar banho. Fiquei passado. E agora mais essa. Seus movimentos lentos a impediam de tirar com desenvoltura a roupa. Sei como é essa sensação por conta da experiência em meu enfarte. Tudo bem suava frio, pior quando tive que tirar sua calcinha, pressenti que fiquei vermelho feito pimentão. Finalmente ela tomou o banho. Quero deixar claro que em nenhum momento houve malícia de ambas as partes. Ainda ajudei-a a se enxugar e vesti-la novamente. Ela confiava em mim. Ninguém me questionou, acho que pensaram que fossemos marido e mulher. Seus olhos estavam sem expressão, respondia com palavras monossilábicas. Dei um beijo em seu rosto e voltei para sua residência. Dormi preocupado e no dia seguinte após meu banho o telefone toca. Finalmente uma sobrinha expliquei o porque de estar atendendo o telefone ela gentilmente agradeceu-me e prometeu avisar o resto da família. No decorrer das próximas horas foram muitos telefonemas, para saber de saúde e para dar os parabéns pelo aniversário. O desconforto pela situação já era ameno, estava mais tranqüilo. Outro telefonema, finalmente um homem na família, pedindo roupa, chinelo, e pente. Fui comprar pão, estava com fome de matar leão. Tomei o café da manhã e fiz o mesmo trajeto para visitá-la no pronto socorro. Lembrei que se fosse vivo hoje seria aniversário de Antonio Marcos, querido amigo que tenha luz. A me ver ela esboçou um tímido sorriso, e chamou-me de bem. Achei estranho até porque não gosto desse tipo de tratamento, lembra-me outra pessoa da qual tínhamos tudo para ser feliz, e não fomos. Sua aparência estava melhor, perguntei sobre as dores ela respondeu que não estava com dores. Descobri que tinha um plano de saúde da transmontano. Uma das sobrinhas assumiria a responsabilidade dali para frente quando chegasse. Conversei com ela e retornei para sua casa, para levar a roupa suja, aliás, toda urinada. Bateu fome, descobri na geladeira carne cozida, apesar de não poder comer carne vermelha, mandei brasa com arroz. Depois comi uma deliciosa manga, retirada de um pequeno santuário budista no canto da sala. Digo comer manga porque detesto chupar e fazer aquela lambança que todos fazem, cortei os pedaços e comi. Foi constatado infarto. Alivio saber que através de minha ação, pude ajudar a salvar a vida de uma pessoa. O universo conspirou a favor, é uma sensação incrível dever humanitário cumprido, e que jamais esquecerei. Quinze horas chegaram às sobrinhas da dona Bel. Cumprimentei-as e o comportamento delas foi super natural e carinhoso. Descobri que a dona Bel era pintora e continuista em filmes, sendo que o ultimo filme em que ela trabalhou foi O Menino da Porteira, estrelado pelo cantor Daniel. Acredito que os anjos da arte deram uma forcinha para nosso encontro. Fui ao seu quarto e apanhei uma foto com o consentimento das sobrinhas, assim guardo-a de lembrança. Na foto ela sorri, esbanja vitalidade está mais jovem, e usa óculos escuros, de fundo o rio Paraná. Essa mulher de agora que levei ao pronto socorro não é a sombra da mulher da foto. E a descoberta da real idade dela, 69 anos, creio que pelo AVC e inicio de Alzheimer ela parou na idade de 59 anos. À noite soubemos que seria transferida para a cidade de Santos e posteriormente para São Paulo. Não sei se a verei novamente, a vida é quem determina seus capítulos, fiscalizada de perto pelo universo. Peguei carona com as duas irmãs que agora nem me recordo o nome, e desci no km 26 da Imigrantes. Ao subir os degraus para o inicio da passarela, encontrei Carol e seu namoradinho, perguntou do Claudinho 11 de Diadema, ela é uma das cantoras das Morenas do Rap que eu gravaria. Conversamos um pouco sobre a vida, e minha aposentadoria. Ao encontrar um casal de amigos Carol e seu namorado pararam para conversar enquanto segui meu caminho. O rapaz que comprou a frente do meu terreno colocou um portão, gritei por seu nome que abriu a porta sorridente e forneceu-me a cópia da chave. Entrei no meu cafofo e cansado deitei para cair nos braços do sono, pedindo que o universo nos ajude a ter uma vida mais justa, equilibrada e feliz. Antes de me perguntarem se essa história é verdadeira ou não eu pergunto... O que você acha? Rsrsrsrsrs abraços Billy.
Billy Brasil
Enviado por Billy Brasil em 15/11/2012
Reeditado em 26/10/2014
Código do texto: T3988019
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