Passagens do Existir
Passagens do Existir
Eu acordei. Acordei de mais uma noite de existência vaga e insuficiente. Até o ar que invadia meus pulmões estava velho e pútrido.Me tornei antigo.
Planei meus pés naquele carpete de traças entrelaçadas ao pano que o compunha. Abria as cortinas, mas a única coisa que penetro naquele quarto foi o sol,mas eu já não podia apreciar sua luz.
Os dias não eram mais iguais: eram apenas intervalos de tempo que escorriam por toda a parte me afogando em uma monotonia tortuosa e lenta.
Apanhei meus óculos em minha mesa de cabeceira, a única companhia que vigiava-me e me acompanhava durante as noites. Colocando aqueles aros velhos ,o contrastes da minha decadência estava mais nítido.
Ia dirigindo-me ao banheiro ,porem algo me interceptou. Uma imagem triste e pálida. Esta me observando com espasmo. Limpei os vidros de meu óculos com o trapo de minhas mangas,mas a figura continuava a me observar. Achei engraçado e a figura sorriu.
Estendi-lhe a mão para um comprimento,mas quando esta ia encostar os dedos enrugados da outra, a mesma se afastou assustada e precavida.
Vi naqueles olhos opacos e aquosos todas as épocas: A amabilidade da infância, a destreza e ousadia da adolescência, e a cautela da maturidade...mas...a felicidade não estava em nenhuma destas. Logo em seguida vi aquele que estava a minha frente dentro de seus próprios olhos. Então percebi...aquele era eu. Aquele era eu a observar no espelho das lembranças toda a vida que me pertencera. Ali estava o menino,o jovem,o adulto e agora o ancião que apenas existiu,mas nunca viveu.
Sentei no carpete e chorei.Chorei e sofri cada lagrima que escapava de minha alma, até que toda a tristeza trasbordara-se de mim e... então eu olhei novamente para o espelho e para seus três reflexos: Eu criança,Eu jovem e o Eu adulto. Essas atravessaram o Cristal das Lembranças e me ajudaram a levantar.
O Eu adulto segurou minha frágil mão de maneira firme e segura. O Eu jovem passou seu braço viril e jovial pelas minhas costas e o Eu criança me observava com aqueles olhos cristalinos famintos pela vida. Quando dei por mim estava atravessando a porta de minha velha casa para viver minha velhice com a docilidade de uma criança,a coragem de um jovem e a maturidade de um adulto.
Moral: As lembranças existem não para nos torturar nem para nos aprisionar,mas sim para ajudar-nos a recomeçar a viver.