Até sempre, Augusta!

— Não! — uivava a triste criatura a ribombar suas mãos sobre o corpo que jazia hirto sobre o féretro ornado de flores brancas — como a face daquela jovem bela como a manhã nascente, e honrada como a espada nua de um soldado.

Basílio (um espírito qinda sofredor) soluçava amargamente a passagem de sua filha. Ali, naquela alcova, estava resumido todo seu ideal de amor e vida.

Os demais parentes da defunta pareciam não fornecer sequer a mínima importância ao fato funesto. Na noite que precedera a triste história, Augusta estivera em companhia de seu tio-avô Cassiano — criatura polida na vivência humana, mas odiosa como a própria convivência humana —, desejosa de prestar seu auxílio fraterno e jovial ao homem velho.

— Augusta! Augusta! — chamou o miserável — preciso que me auxilies a separar alguns documentos necessários para aquele problema bem chato, sabes?

— Sim, querido tio. — respondeu com inflexão doce a pura criança.

Ambos adentraram ao escritório do andar superior do casarão, pois lá teriam o silêncio e privacidade para realizar a catalogação.

Enquanto procuravam a documentação, eis que a jovem Augusta em sua pureza natural, resolvera entoar mimosa peça composta por seu pai, afim de remontar a sua primeira infância; gemia versos mais ou menos assim:

Quisera que as flores da noite

Fizessem a mim companhia;

— Vem rosa gentil, és tão doce,

Aquece essa cama tão fria!

Nasci neste mundo obscuro,

Mas sempre fitando este céu;

— Vem Deus, pois que eu Te procuro...

Eleva-me ao Teu carrossel!

Sou criança... não sei o que a vida

Reserva pr'a mim no futuro;

Mas sei que hoje em dia me priva...

Pois vivo sozinha no escuro!

Eu brinco... pois não sou herege,

Um homem astuto não cai;

Eu brinco... alguém me protege...

E está sempre aqui — o meu pai!

Augusta derramava furtivas lágrimas de saudade — pois os anjos igualmente sofrem —, quando o velho bode de olhar gélido e penetrante, bradou com sua larga voz baritonal:

— Que fazes? Acaso não sabes que é proibida qualquer memória que traga a presença imunda desse desgraçado ao meu honrado lar?

— Perdoe-me, avozinho querido. Acabei me distraindo, mas juro que não fiz com intenção de magoar-te!

Naquele instante, Cassiano sentiu-se invadir por uma força estranha, estava sentindo dificuldades para respirar e num ato de fúria cuspiu à face daquele anjo todo seu ódio:

— Maldita! Já sou obrigado a suportá-la nesta casa... odiava teu pai, assim como odeio-te... maldita!

A nossa pobre infante estava pálida, apavorada, pois jamais esperaria algo assim. A boca lhe secara, o estômago lhe doía, a pobrezinha estava quase desfalecida.

O mandrião bestial de forma brusca abriu uma gaveta e sob às ocultas, retirara fino punhal.

— Meu tio, por quem és?

— Imunda... hoje encontrarás o teu fim. Prometo-te que hoje mesmo irás viajar ao país da morte.

Augusta nem forças tinha sequer para clamar por socorro. De olhos fitos em seu futuro algoz, rememorava ainda mais fortemente a figura do velho pai e de modo mais terno ainda, a figura de sua cândida avózinha. Chorava como um pássaro meigo e triste, pois sabia que ali estava o seu fim.

Sem rodeios, o velho maldito apunhalou a pobre criatura no seio virginal; uma flor como uma malva maçã desenhara-se sobre aquele alvo vestido rendado.

Augusta fora covardemente assassinada na madrugada silenciosa.

Cassiano ainda beijou-lhe a boca já sem cor, e sorrindo disse:

— Adeus... Adeus! Agora poderás cantar aos mortos que vagam pelas tumbas, mas não voltes aqui jamais.

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— Yolanda! Yolanda! Apressa-te... Fui atacado por esta monstra, Augusta! Sim, uma monstra...

— Cassiano... que dizes?

— Vamos mulher, ela agora jaz morta, em sua demência demoníaca, acabou tirando a própria vida, assim como o seu pai.

Yolanda cobrira a bela face de Augusta com um manto avermelhado, e disse:

— Adeus, àquela, cuja vida foi breve... a dor será longa!