Alegria tá em falta
Lá vinha ela, batendo novamente na porta da Alegria. Gostava de visitá-la às vezes, questionando-a os motivos de seu sumiço freqüente. A Alegria atendeu a porta bufando, cansada de ser importunada pela jovem. Era um sentimento ocupado demais pra dar atenção a qualquer um.
— Oi.
Sempre que a via, seu sorriso era deslumbrante. A esperança batia no teto, sua áurea parecia majestosa e sua alma estava lotada de paz. As bochechas sutilmente rosadas, a aparência impecável. E naquele dia, não. Encontrava-se diferente. Olhos fundos acompanhados de olheiras destacadas. Uma tristeza de dar dó estampada no rosto. Usava uma roupa maltrapilha, resquícios de uma maquiagem borrada. Nos olhinhos quase fechados, veias vermelhas, completamente evidentes. Sem contar a voz cansada, extremamente rouca e desanimada.
— Nossa, o que aconteceu?
A garota apenas sorriu de modo deslocado e falso.
— Você me enganou, Alegria.
E mesmo sem ser convidada para entrar, invadiu o cômodo e sentou-se na primeira cadeira que encontrou pela frente.
— Enganar você? Como assim? — o sentimento arregalou os olhos, confuso.
— Você sumiu. Prometeu que iria aparecer de vez em quando. Agora, estou exausta de tanto expulsar a Tristeza da minha casa. Aquela coisinha teimosa é abusada, volta e meia invade a minha propriedade. Aguardo sua presença todos os dias, mas você é tão egoísta que não aparece.
As francas palavras da jovem encheram o sentimento de uma raiva tremenda.
— Olha aqui, sua mimada. Há muitas pessoas por aí sofrendo mais do que você. Pessoas sem moradia, que passam fome. Eu não tenho tempo pra correr atrás de menininhas frustradas. Se não quer sofrer, vá atrás da Felicidade.
— Frustrada? Dane-se! Se sou insuportável a culpa é toda sua! És uma incompetente! Não vejo a fome desse mundo acabar. Só assisto pessoas que como eu, são consideradas dramáticas e vão afundando num mar de angústias! É ridículo o fato da senhorita não ter a menor capacidade de resolver coisas pequenas, como considera os meus problemas. Se não consegue consertar dores minúsculas, quem dirá os humanos que nasceram na miséria! Eu não vou procurar Felicidade nenhuma, queridinha. Essa aí não existe, deve ser apenas uma voz que ilude alguns trouxas. Sei muito bem que ninguém é capaz de sorrir o tempo todo, sem enfrentar nenhuma dificuldade. Eu tenho tentado, sabia? Me levantar do chão, ser útil para o próximo, superar minhas amarguras gradativamente! Mas não há quem agüente uma enxurrada de dor sem fraquejar! Quando escolheu esse cargo, tinha a plena consciência de que problemas por menores que sejam, são problemas e precisam ser sanados! Sinto muito se atrapalho a Vossa Majestade, entendo que é inútil estar aqui, clamando um pouco de ajuda. A partir de agora nunca mais olharei na sua cara e daqui a um tempo muitos desistirão de você se continuar agindo dessa forma. Prefiro manter contato com Esperança. Adeus.
E após essa bronca, duvido que a tal da Alegria não tenha parado pra refletir o quanto ela tem sido faltosa. Quem sabe, esteja nesse exato momento revendo seus conceitos e tentando aparecer mais na vida das pessoas?