Capítulo 2

Na ação de recolher o que sobrou desse pranto, sem conclusão sofística, derramei a tinta sobre o papel branco para evitar qualquer certeza exata. Confiscado o amor dessa perda irreparável construímos o mundo sobre a música que vai longe dentro dos sonhos que se abrem. Como a melodia tem seu fim num borbulhão de água, sufocando a canção de modo rústico, a morte reduz sempre a metade o tempo que escoa. Tanta austeridade serviu para adornar a madureza de elegância.

“Ser original do mar tens a elegância de um peixe”, brincava e conduzia rindo suas frases. Algumas poucas palavras de sua alma libertava batalhões de escravos... Sabes admirar com elegância? Sabes rir polidamente? Foge do diálogo entre a centopéia e a serpente, pois em ambas só há malícia e veneno. Sua ênfase cômica possuía algo de musical no bom caminho subterrâneo.

Lembro ainda do tempo em que havia serenidade à sombra da parreira. Do velho sisudo a povoar as narrativas de mistérios com sua paz proverbial em meio a suave aragem do oceano. Como aprender e ser firme como o nó do junco? Hoje eu sei o quanto me cansam as falsas sutilezas daqueles que jamais jogam xadrez com a mesma simpatia dos seres mágicos e tranquilos. (O remoto ludus latruncularius latino que tanto nos ensinou a exercitar a essência pela combinação lógica das ações comedidas). Vamos ao primeiro lance de indagação propícia: Aquele que mente pode enganar com sutileza toda a abobáda celeste? A casa em que se recolhe o afeto pode ser de argamassa feita de cal e tijolos pilados? Melhor se conseguisses salvar teu mundo desse ludus do mal que repousa na ambição. Ambição de aplauso que nunca dorme no útero da inveja ou no luxo do cinismo.

Ontem pedi a dor que naufragasse nesse astuto barco de cem remos, mas o mar estava calmo. O sol excessivo desnudou a beleza humana para naturalmente repousar na calmaria. Assim revi o teu retrato perdido no tempo.

A lucidez por vezes provoca tanto prazer quanto o perfume dos cabelos de uma mulher bela. A boa lucidez da fêmea digna do prazer que não se vende nesse perverso tempo de velhacos refinados. Sempre a visão clara se mantém em perfeita dignidade. Tal alegria se passasse num prostíbulo seria reconhecidamente isenta de expectorações e pruridos, pois a decência habita o coração em todos os momentos. A boa alma é aquela que sempre pinta uma obra prima ainda que a visão se torne incapaz de abranger certa importância gráfica aos mosquitos dos figos. Para favorecer cada vez mais a sua memória bastaria escrever: Era reto e limpo como o que resta das chuvaradas. Amável e pacífico como uma divindade sonolenta.

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