Origens

Sentado à janela daquele trenzinho que cortava a paisagem montanhosa da cidade de Serra dos Montes, Eduardo pensava nos últimos acontecimentos: depois daquela visita deliciosamente estranha que tivera no trabalho, no dia anterior, sua vida mudaria muito. E estava disposto a ver se para melhor.

Era uma segunda-feira, mais ou menos 10h e ele se encontrava na empresa em que trabalhava sentado frente ao computador, quando surgiu a sua frente a mulher mais bonita que já vira. Era alta, cerca de 1,78m, esguia, muito bem vestida e maquiada. Possuía os olhos mais negros que tivera a oportunidade de vislumbrar. Cabelos igualmente negros e lisos, na altura dos ombros, circundando-lhe o pescoço magnífico. Em nenhum catálogo de modelos encontraria criatura mais estonteante. Olhou-o insistentemente e perguntou se era Eduardo José de Vasconcellos e, diante da afirmativa aliada a algumas outras perguntas, estendeu-lhe um envelope com vários papéis dentro. Enquanto observava aquele jovem franzino, com enormes olhos castanho-amendoados, cenho franzido em choque, com ares de intelectual e... virgindade explícita, apesar dos 25, talvez 26 anos de idade, disse ser a advogada de seu avô, o milionário do açúcar Benito de Prá Vasconcellos. “Avô?” Meu Deus, nunca soube que tinha avô vivo! A mãe, solteira, criou-o heroicamente frente a tantas adversidades, sem nunca informar sequer o nome do pai... Aliás, nunca tivera a menor curiosidade em saber. Bastava-lhe a mãe. Mãe, não, “Pãe” – que fora até a morte, dois meses atrás – seu porto seguro, sua maior condutora para a carreira a que se dedicava no momento: Analista de Sistemas. Um sonho realizado pelos dois. Após sua entrada na maior empresa de informática da região sul do Estado, a vida tomara um rumo muito promissor.

Quando já estava se acostumando à nova vida, surgiu aquela beldade. Com aquela “bomba”, sem sequer lhe dar fôlego. Saíram para almoçar no restaurante do hotel em que estava hospedada e, enquanto almoçava, ou melhor, “beliscava” a comida, Helena, a advogada, contava-lhe os detalhes da documentação, mordiscando camarões ao molho rosé.

Pai de seu pai, o desvairado playboy Bartolomeu Bulhões (não usava o sobrenome paterno: BB era mais condizente com sua personalidade), o frustrado milionário desistiu de ver o único filho (de 52 anos) tomar frente nos negócios. Após descobrir um insólito romance deste com uma jovem secretária da empresa de um fornecedor de máquinas agrícolas, resolveu investigar o desfecho, descobrindo o neto, escondido pela mãe a mais de 3.000km de distância. O filho nunca falara do romance, aliás, nunca conversavam. Nem sequer conviviam. Só soubera do suposto único neto porque BB, numa das bebedeiras, espalhou para quase todo o ciclo de amizades que não era um tolo inconsequente, como sempre diziam pelas suas costas. Era casado, ou pelo menos, fora um dia. Na verdade, talvez, procurasse a deliciosa ruivinha que tanto o atraíra na festa de um amigo em comum; havia aquele casamento, num momento de loucura, dando vazão àquele amor intempestivo, havia o filho... a fuga insana daquela louca quando, chegando do hospital, achara-o aos “amassos” com a melhor amiga, na própria cama, no próprio apartamento que ele lhe comprara há poucos meses e para onde nunca mais voltou. Talvez um dia... Enquanto isso, o pai resolvera, antes, pensar no futuro do próprio neto. Até porque, o currículo que lhe foi apresentado era o de um jovem muito promissor – uma ótima referência para um Vasconcellos legítimo. O filho, coitado! Era caso perdido. Encontrava-se internato pela décima vez na melhor clínica do país, para desintoxicação. Todo o seu dinheiro não pagava a cura para aquele infeliz. Quanto mal havia causado ao filho com tantos mimos, tantos prazeres mundanos... Um grave e irreparável erro!...

Agora, Eduardo conseguiu compreender por que o chefe pedira para que fosse até o Norte, havia uma semana, representá-lo numa reunião importantíssima com usineiros. Exame de sangue sem motivo algum aparente, fotos da infância, entrevista com um funcionário do RH,... Quanto despropósito para uma simples reunião! Havia uma investigação acontecendo bem debaixo de seu nariz e ele nem questionou. Também, seu melhor emprego até hoje, numa competição daquelas... Só um louco para pôr abaixo uma oportunidade ímpar! O destino lhe reservara uma grande surpresa. Se bem que agora as coisas seriam diferentes. Tinha perguntas e queria respostas. Deixaria pra trás... Nada! Nada que o prendesse! Sem amigos, um relacionamento recentemente desfeito, uma casa de dois quartos; nem um cão ou um ramster sequer... É... De fato a vida abria-lhe um leque de oportunidades, e ele estava preparado para ela.” Vou conhecê-lo. Por que não tentar?”

Luzia Avellar
Enviado por Luzia Avellar em 05/11/2012
Código do texto: T3969573
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