Os Vargas - Texto II

Os Vargas – Texto II

Cinco anos, sete meses, onze dias só Deus sabia quantas horas faziam desde que deixara tudo que conhecera para trás. Exigiu sua herança. Brigou, acusou, mentiu, mas consegui o que queria. Partiu com a família – esposa e dois filhos – para uma nova vida. Deixou para trás o pai, a mãe e seus dez irmãos e três irmãs.

Jacob sabia que receber a herança antes da morte de seu pai era algo inaceitável. Era o mesmo que pedir a morte do pai, mas mesmo assim o fez, e ninguém jamais se esqueceria disto.

Sempre tivera um relacionamento difícil com seus irmãos, principalmente com o André, o mais velho. Viu seis irmãos nascerem antes dele, duas irmãs também, depois, mais quatro homens e uma menina. Era o sétimo homem de uma casa que viva cheia. Se era os irmãos o odiavam ou se era ele que os odiava, Jacob não tinha resposta, o fato era que cresceu isolado, remoendo um sentimento de desprezo. Quando os irmãos iam brincar, nunca o chamavam. Quando se apaixonou pela primeira vez, descobriu que sua paixão se deitava com André e há quem dizia que com Tomé também, apesar do último nunca confirmar, muito menos desmentir o rumor. Quando se casou com Clara, não teve a presença de todos os irmãos na celebração, e os que foram estavam mais pelo pedido da mãe que para prestigiá-lo, ou era assim que pensava.

Não há nada para mim aqui. Não posso ficar onde não sou bem vindo. É o que disse para o pai antes de exigiu sua parte das vastas terras dos Vargas. O pai não questionou, no fundo, ele sabia que Jacob estava certo, ele não parecia fazer parte daquela família, o que entristecia tanto o pai quanto a mãe. Muitas vezes eles tentavam conversar o com filho, buscar entender o motivo para não se dar bem com os irmãos, mas sempre em vão, as respostas de Jacob eram sempre evasivas. Aquilo foi acumulando e José não se surpreendeu com o filho quis partir.

Vou para Bahia. Foi tudo que se limitou a dizer à mãe quando questionado sobre seu destino.

Deixou o café para trás. As brigas da família também. Não queria fazer parte de uma disputa que ele nem conhecia a razão. Que se fodam os Bredas. Que se lasquem os Vargas. Comprou uma fazenda bem localizada, fértil e boa produtora de cacau. A casa era boa, a cidade próxima e água havia em fartura. Tranquilidade e privacidade, nada melhor para recomeçar.

Tentou esquecer todo o seu passado, mas não conseguiu. Dois anos sem dar notícias se viu obrigado a ligar para casa dos pais. Era o segundo domingo de maio, viu os filhos darem presentes para sua esposa, o que o fez lembrar-se da mãe. Discou os números com relutância, mas teve sorte, a mãe o atendeu. Ela chorou ao ouvir sua voz, ele não. Não falaram por muito tempo, mas ela o convenceu a passar o número de sua casa, para que pudesse falar com os netos. Jacob pediu para ela não ligar sempre, nem falar com o pai que ele havia ligado aquele dia. Ela atendeu aos pedidos, e só ligava no natal e no aniversário dos netos. Chegou a conversar com a nora uma ou duas vezes, mas com o filho não mais.

Filipe e Matias conseguiram encontrá-lo depois de três anos. Poderia tê-lo procurado antes, mas não fizeram. Sabiam que irmão não queria ser encontrado. Ficaram por dois dias. Prometeram não voltar, nem contar onde estava, mas pediram para que ele voltasse, mas ouviram dele que era impossível.

O tempo passou rápido e a alegria por deixar a antiga vida para trás deu lugar a frustração. A vida longe da sua grande família não trouxera a Jacob a felicidade que ele buscava. Não com os negócios, havia aprendido bem com o pai, mas consigo mesmo. Vivia depressivo e nem mesmo o calor da esposa parecia ser suficiente.

Num domingo qualquer ele estava em casa. Havia ido à missa pela manhã e passara o resto do dia em casa com a família. Clara havia feito o almoço de domingo com de costume: arroz temperado e feijão cozido no dia; macarrão, galinha caipira com quiabo e tutu. Para beber: suco de acerola colhido na própria propriedade. Dormiu um pouco depois de comer. Quando acordou foi assistir TV. O filho mais novo ensinava a mãe a fazer o cadastro em um site de roupas e sapatos femininos. Jacob fingia não ligar para aquela modernidade de internet, mas bem que gostava de ver a previsão do tempo. Foi com esse argumento que o mais novo, César, o convenceu a instalar a internet na fazenda. Não havia sido barato, mas era divertido navegar na rede. Otávio, o filho mais velho não estava em casa. Devia estar com a namorada.

Já era noite quando o telefone tocou. A esposa ainda estava entretida com as compras, o filho a auxiliava. Jacob atendeu:

- Alô – reconheceu a voz da mãe do outro lado. Ela foi direta ao ponto. – Quando? – Clara percebeu que o tom da voz do marido mudara. – Obrigado por me avisar.

Ele desligou o telefone. Levantou-se do sofá e foi até a porta principal da casa construída no estilo colonial. Escorou-se no batente e ficou olhando para o caminho de entrada da sede da fazenda. Duzentos metros de palmeiras imperiais de um lado e do outro do caminho calçado de pedras, até chegar a uma porteira de mogno africano que marcava a entrada para seu mundo.

Clara foi ao encontro do marido. Ela nunca questionou as decisões de Jacob. Ele era o homem e por isso tinha o direito de decidir as escolhas da família. Fora assim que aprendera com a mãe, com a avó, com a sogra e com todas as outras mulheres que conhecera.

- O que houve? Quem era ao telefone? – Questionou abraçando o marido pelas costas.

- Minha mãe – limitou-se a responder.

Os dois ficaram calados por um tempo. Ela sabia que havia mais para ouvir.

- Mataram o Filipe – ele revelou.

Ela preferiu não dizer nada, apenas o apertou mais forte.

Mais uma pausa fizeram. Depois de um suspiro longo ele disse:

- Hora de ir casa?

Ela hesitou, mas por fim assentiu.

Haviam assassinado um de seus irmãos. As diferenças deviam ser deixadas de lado, mas assim com sua saída, o retorno também não seria fácil.