Anos iniciais
- José é hora de ir para a escola! Uma voz ressoou; era o início de uma nova era. Ansiedade do primeiro dia de aula. Lembro-me que nos primeiros meses estudávamos num galpão improvisado, pois a escolinha estava em construção. O primeiro dia foi de muita ansiedade. Três caquis foi o primeiro lanche esquecido na sala, quando do recreio. Talvez, o gesto perdido já premeditasse um perfil reservado. Anunciava um padrão que balizava o conhecimento através do cotidiano.
- José! José! Era a voz da minha mãe preocupada com minhas fugidas para brincar com os primos, uma aventura que remava um lapso na florida primavera, num remanso que anunciava o olhar para o mundo. Tempo que correr pelo bosque proclamava um aprendizado, compartilhado com meu arquétipo e recobrindo a imensidão do lugarejo, num universo desprovido do pragmatismo cartesiano.
- Vou morrer! Vou morrer! Chorava minha mãe, atormentada pela angustia do passado. Sua voz triste delapidava meu olhar e, num instante projeta-me para o interior de mim mesmo, em uma busca que compensava a dívida do destino.
Nestes tempos, os melhores momentos na escola era o recreio; brincávamos de pega-pega, orinho e bolinha de gude. De minha casa até a escola era uma longa caminhada, que sempre fazia com os colegas que encontrava pelo caminho. Tinha medo de ir sozinho, pois além da distância, havia muita capoeira pelo trajeto e, na época as lendas de assombração deixavam-nos inquietos.
- Corre! Corre! É abelha! Era uma gritaria de dois meninos apavorados com o ataque das abelhas africanas que avançavam diante da provocação, assim, na pratica apreendíamos a respeitar outras criaturas.
Uma professora para as três turmas, foi assim por quatros anos, sim, pois repeti a 3ª série por opção de meu pai e orientação da professora, ou seja, a ideia era tentar reforçar minha doutrinação. Eu? Não gostei, mas tive que aceitar. Foi mais um ano tortuoso. Na época, a escola já registrava preconceito com aqueles que traziam um padrão diferente de adquirir o conhecimento, ou seja, ou você se enquadra na ordem teoria depois prática ou não aprende. Eu, não aprendi, não tinha como aprender, este não era meu perfil.
- Fogo! Fogo! Corre, apaga! Meu coração estava acelerado diante do prenuncio de um incêndio no paiol, provocado pelas nossas experiências no laboratório de química improvisado. Tocar fogo na palha de milho, apagar rapidamente era para testar nossos limites. O fogo ardia forte diante de nossos olhos, denunciando os riscos da vida que a sina anunciava.
Até a 4ª série era comum aos professores baterem nos alunos com vara de vime, régua de madeira e etc. O mais trágico é que nós ainda buscávamos na mata o vime para a professora. Eu, em particular, cheguei a questionar os colegas sobre o fato, pois achava uma contradição de nossa parte, aliás, um gesto idiota. No inicio da aula a professora obrigava-nos a colocar a mão na carteira para o controle de qualidade de nossas unhas, se estava “suja de terra”, levávamos uma reguada. Um detalhe desprovido da pedagogia denunciava uma professora distanciada da nossa realidade, haja vista, que trabalhávamos na roça, com a terra. Foi numa destas reguadas que me irritei com a professora e a ameacei, disse-lhe que quando da sua visita a minha casa, iria soltar um touro bravo contra ela, acho que isso foi motivo de chacota e fiquei envergonhado, além, é claro da repreensão que sofri de meu pai por ter ameaçado a professora. Com o tempo passando, minhas idas a escola perdia sentido.
Peri! Peri! Era o nome de nosso cachorro. Até hoje, oscila na memória a nossa despedida da roça, seguindo pela trilha da cidade. O Peri corria sem parar em volta da casa, pressentindo que seria deixado pelo caminho. Aquela cena doí-me profundamente. Até hoje me coloco no lugar dele a ouvir sua dor. Soube mais tarde que a doação do Peri não vingou. O Peri foi embora e nunca mais voltou, hoje revive nas minhas lembranças. O espiral do destino tem que seguir, regando o verde milharal e debulhando a sombra que habita minha alma... “Desde pequeno tive que interromper minha educação para entrar na escola. Bernard Shaw”