Do Avesso.

Já fazia meses, e fazia horas e bilhetes. Meu coração dentro do bolso de zíper fechado na mochila, balançando ao som do mundo e do ônibus que me levava todo dia para o mesmo lugar aonde você sempre vai, pra eu te encontrar. E nunca encontrei, já fazia meses e fazia horas e bilhetes e sua presença ainda era um desenho transparente nos meus dias. Mas você acabou de passar por mim com aquele jeito de andar comum, com os braços balançando debilmente, estranho, fora de ordem, sem gingar, bobo, com aqueles olhos de mar estudando as entradas do corredor, procurando algum lugar para qual você pudesse fugir se eu corresse até você para um abraço, um olá, uma simples lembrança de que em alguma noite fria nós dois fomos uma coisa só. Você, criança assustada, eu, um louco que te provou que a vida acontecia fora das paredes que você vivia, com todo seu pavor de manifestações de carinho e seus olhares assustados para cada chacoalhada que eu dava no teu universo patético. Eu te fiz sentir medo, coragem, liberdade. Eu abri a janela do teu apartamento e te fiz pular de lá para perceber que você também podia voar. Você voou pra dentro de mim, eu te engoli cheio de vida e digeri um dicionário inteiro de sentimentos lindos com você, por você, porque eu pensei, na minha ignorância de um coração cego ou apaixonado, como dizem, que a gente podia ser feliz. Mas felicidade era só um sujeito inexistente, um neologismo bonitinho em que eu acreditava até você fechar a janela e descer a cortina da tua vida. Eu ainda não tinha voltado do meu passeio e fiquei pra fora do teu mundo, jogando pedrinhas no teu vidro pra fazer um barulho pequeno e chamar tua atenção de uma forma singela só pra você ver que eu ainda estava ali, ainda tentava, ainda queria. Como se adiantasse, como se felicidade era algo que havia nascido pra mim. Resolvi seguir viagem sem você, pra ver se nossas linhas tortas nos laçariam no futuro, com um nó bonito, um embrulho de presente. Ainda não descobri, nunca mais te vi.

Mas você acabou de passar por aqui, teu perfume quieto paira pelos cantos escuros próximos ao meu banco e você já vai longe. Uma passada apressada e medrosa tua, cinco segundos e meses de recuperação e terapia jogados fora no ralo junto com vômito e palavras baixas e a pequena fé na felicidade que eu até então havia criado. Achei curioso o efeito alucinógeno que você provoca em mim, depois de meses, horas e bilhetes, eu sou o mesmo, mas um coração com uma cicatriz a mais é sempre diferente e novo, porém nem sempre mais forte. Quase vou atrás de você, quase te obrigo a se esconder em uma daquelas portas, em alguma sombra, mas eu não sou capaz de chegar perto outra vez. Talvez eu tenha crescido demais para me reaproximar, ou seja pequeno demais para tal impacto. Nunca saberei, porque nunca chegarei perto outra vez. Teu cheiro quer me arrastar na tua direção, eu não quero ir, não vou, eu insisto, choro, as luzes piscam, a água cai do teto devagar, lágrimas do cenário, o frio vem violento, eu grito uma paixão antiga que ecoa no azulejo velho e chegam até você... Mas você não ouve, não pode ou não quer ouvir. Eu enlouqueço em silêncio e essa minha loucura me faz ver que você não é meu remédio porque justamente você é a minha doença. E permaneço doente. Quer saber? Levanto, vou embora. Deixo para trás você, teu cheiro, minha esquizofrenia falsificada e vou embora, clandestino na minha própria história de amor que escrevi, vivi, senti, sozinho. Eu vou embora, o amor já acabou depois de meses, horas e bilhetes. Ficou o perfume, ficou a vontade de mais um abraço e a loucura de querer de volta. Mas o teu amor foi embora. O teu. E eu? Eu vou embora também. Levanto, respiro, dói, e então eu vou.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 29/10/2012
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