RÉ(união)
Os três Gerentes da área de atendimento da Oxil Telecomunicações S/A, um chefe de setor e a secretária estavam reunidos para mais uma avaliação trimestral dos serviços prestados pela empresa contratada Satna & Sariepot Serviços Ltda. e também verificar o nível de contentamento dos seus clientes. Para tanto, eles faziam um monitoramento, através de um aparelho que escolhia aleatoriamente um atendente, o qual seria ouvido em viva voz por todos os presentes. Uma espécie de reality show sonoro. A Srta. Mercês, secretária da Gerência Geral, ficou incumbida de fazer a ata. Não somente ela, mas todos sentiam uma sutil ansiedade sádica, derivada do fato de espionariam a vida alheia, mesmo sendo a causa uma motivação profissional. A competentíssima assessora mastigava a tampa da caneta, enquanto esperava que, após as conversas preliminares de praxe, envolvendo qual time ganhou e quem vai trocar o carro (algo que a impacientava bastante), finalmente o gerente dos Postos de Atendimento apertaria o botão que selecionaria a possível vítima, pois há de se destacar que, caso se percebesse o mínimo deslize, o funcionário terceirizado seria demitido por justa causa.
Enfim, acionou-se o equipamento e eles monitoraram cerca de cinquenta amostras de ligações. Após o cliente ouvir uma série de menus numéricos que se ramificavam em outros submenus, a partir do momento em que o cliente escolhia uma opção, finalmente, depois de passar por aquele exaustivo organograma sonoro, os clientes eram atendidos (isso se tivessem a sorte de a ligação não cair durante o processo). Todas as ligações envolviam alguma reclamação.
“- Vocês são uns filhos da puta, estou cansado de anotar protocolos...”
“- ... quer saber, vão para a puta que os pariu”.
“- Ah, vai tomar no cu, haja paciência com...”.
“- ... E por acaso eu pedi alguma mudança de plano? Vão à merda..”
“- ... @!!#*+%&!!!"
- “...”
Com exceção da Srta. Mercês, que observava por cima dos seus oclinhos para presbiopia, oscilando horizontalmente os olhos, acanhada e ao mesmo tempo travando o maxilar para não dar umas boas dumas gargalhadas, todos os gerentes permaneciam sérios, concentrados no aparelho que ficava em cima da mesa de vidro como se fosse um objeto perdido por algum OVNI. No máximo, expressavam alguma sutil expressão fisionômica: um levantar ou franzir de sobrancelhas, uma contração labial, uma coceirinha na ponta do nariz acompanhados de sons guturais similares a uma tosse ou uma interjeição neutra do tipo “humm...”
Finalizada a escuta, o Gerente Geral levantou-se, retirou um lenço do bolso, enxugou o suor da testa e fez um gesto para que o chefe de setor ligasse o multimídia.
- Bem senhores! Podemos notar, através do gráficos, que o levantamento feito pela nossa contratada Eduarf e Sócios Ltda. corresponde realmente aos fatos. O índice IAM – IR À MERDA – finalmente entrou dentro da merda, ops, da meta – corrigiu, explicando. – Desculpem-me, é que as palavras são bem parecidas. Enfim nos encaixamos num valor inferior a 18 %. Já o índice TNC – TOMADAS NO CU – permaneceu constante, no limite da meta, conforme podemos observar na linha do reto do gráfico – Desta vez o superior não corrigiu a gafe, fazendo com que a Srta. Mercês praticamente inflasse suas bochechas flácidas de cinquentona para conter o riso. – O que nos preocupa muito neste momento são os índices IPQP – IR PARA A PUTA QUE PARIU – e FDP – FILHOS DA PUTA que subiram consideravelmente, mesmo diante das medidas que tomamos. – Sr. Aldaz e Sr. Gastão –, disse referindo-se aos gerentes dos Postos de Atendimento e de Telemarketing respectivamente, - que ações os senhores acham que podemos tomar?
- Uma observação – começou o senhor Aldaz -, gostaria primeiro de destacar uma questão muito relevante que notei recentemente: tanto o índice IPQP como FDP praticamente medem a mesma coisa, ou seja, o pressuposto de que nossas respeitosas e digníssimas mães são, com o perdão da palavra, mulheres de vida fácil. Diante disso, gostaria que considerasse a possibilidade de unir os dois em apenas um índice, o PPP – PARIDOS POR PUTAS. Acha possível?
- Infelizmente venho fazer uma de advogado do diabo – iniciou o Gerente de Telemarketing - . Um dos atendentes levantou uma questão semântica bastante inteligente, apesar do mesmo ter apenas o ensino médio. Ele perguntou ao supervisor, que perguntou ao chefe de seção que perguntou ao chefe de setor que perguntou a mim se a pergunta feita por diversos clientes, ou seja, “E como vai a sua genitora?” também não poderia ser interpretada como uma falta de respeito e, por conseguinte, um descontentamento eufemístico do cliente que, no fim das contas, pode ser classificado entre os índices IPQP ou FDP.
- Bem - (o Gerente Geral sempre iniciava uma frase com essa expressão expletiva, mesmo se fosse introduzir algo mal) - Não podemos fazer a junção dos dois índices, mesmo que, de alguma forma eles tangenciem a questão mencionada pelo Senhor Gerente dos Postos de Atendimento, pois o índice FDP envolve uma condição do indivíduo, enquanto o IPQP, além da condição, sugere uma ação. Inclusive este último geralmente é acompanhado da interrupção da ligação de forma brusca e rude. Já no que diz respeito ao que foi mencionado pelo Gerente de Telemarketing, acredito que seja melhor criarmos um novo índice, o CVSG – COMO VAI A SUA GENITORA. Vamos obter os dados para criarmos uma meta para esse novo índice. Alguém tem outra consideração?
Srta. Mercês levantou a caneta e abaixou sutilmente a cabeça em sinal de humildade. Os olhinhos suplicantes.
- Srta. Mercês, pois não, alguma sugestão?
- Não, não. Peço mil desculpas, mas os senhores me dariam uma licençazinha para ir ao banheiro? É que estou que não me aguento mais.
Créditos: quadro "Operários" de Tarsila do Amaral
Enfim, acionou-se o equipamento e eles monitoraram cerca de cinquenta amostras de ligações. Após o cliente ouvir uma série de menus numéricos que se ramificavam em outros submenus, a partir do momento em que o cliente escolhia uma opção, finalmente, depois de passar por aquele exaustivo organograma sonoro, os clientes eram atendidos (isso se tivessem a sorte de a ligação não cair durante o processo). Todas as ligações envolviam alguma reclamação.
“- Vocês são uns filhos da puta, estou cansado de anotar protocolos...”
“- ... quer saber, vão para a puta que os pariu”.
“- Ah, vai tomar no cu, haja paciência com...”.
“- ... E por acaso eu pedi alguma mudança de plano? Vão à merda..”
“- ... @!!#*+%&!!!"
- “...”
Com exceção da Srta. Mercês, que observava por cima dos seus oclinhos para presbiopia, oscilando horizontalmente os olhos, acanhada e ao mesmo tempo travando o maxilar para não dar umas boas dumas gargalhadas, todos os gerentes permaneciam sérios, concentrados no aparelho que ficava em cima da mesa de vidro como se fosse um objeto perdido por algum OVNI. No máximo, expressavam alguma sutil expressão fisionômica: um levantar ou franzir de sobrancelhas, uma contração labial, uma coceirinha na ponta do nariz acompanhados de sons guturais similares a uma tosse ou uma interjeição neutra do tipo “humm...”
Finalizada a escuta, o Gerente Geral levantou-se, retirou um lenço do bolso, enxugou o suor da testa e fez um gesto para que o chefe de setor ligasse o multimídia.
- Bem senhores! Podemos notar, através do gráficos, que o levantamento feito pela nossa contratada Eduarf e Sócios Ltda. corresponde realmente aos fatos. O índice IAM – IR À MERDA – finalmente entrou dentro da merda, ops, da meta – corrigiu, explicando. – Desculpem-me, é que as palavras são bem parecidas. Enfim nos encaixamos num valor inferior a 18 %. Já o índice TNC – TOMADAS NO CU – permaneceu constante, no limite da meta, conforme podemos observar na linha do reto do gráfico – Desta vez o superior não corrigiu a gafe, fazendo com que a Srta. Mercês praticamente inflasse suas bochechas flácidas de cinquentona para conter o riso. – O que nos preocupa muito neste momento são os índices IPQP – IR PARA A PUTA QUE PARIU – e FDP – FILHOS DA PUTA que subiram consideravelmente, mesmo diante das medidas que tomamos. – Sr. Aldaz e Sr. Gastão –, disse referindo-se aos gerentes dos Postos de Atendimento e de Telemarketing respectivamente, - que ações os senhores acham que podemos tomar?
- Uma observação – começou o senhor Aldaz -, gostaria primeiro de destacar uma questão muito relevante que notei recentemente: tanto o índice IPQP como FDP praticamente medem a mesma coisa, ou seja, o pressuposto de que nossas respeitosas e digníssimas mães são, com o perdão da palavra, mulheres de vida fácil. Diante disso, gostaria que considerasse a possibilidade de unir os dois em apenas um índice, o PPP – PARIDOS POR PUTAS. Acha possível?
- Infelizmente venho fazer uma de advogado do diabo – iniciou o Gerente de Telemarketing - . Um dos atendentes levantou uma questão semântica bastante inteligente, apesar do mesmo ter apenas o ensino médio. Ele perguntou ao supervisor, que perguntou ao chefe de seção que perguntou ao chefe de setor que perguntou a mim se a pergunta feita por diversos clientes, ou seja, “E como vai a sua genitora?” também não poderia ser interpretada como uma falta de respeito e, por conseguinte, um descontentamento eufemístico do cliente que, no fim das contas, pode ser classificado entre os índices IPQP ou FDP.
- Bem - (o Gerente Geral sempre iniciava uma frase com essa expressão expletiva, mesmo se fosse introduzir algo mal) - Não podemos fazer a junção dos dois índices, mesmo que, de alguma forma eles tangenciem a questão mencionada pelo Senhor Gerente dos Postos de Atendimento, pois o índice FDP envolve uma condição do indivíduo, enquanto o IPQP, além da condição, sugere uma ação. Inclusive este último geralmente é acompanhado da interrupção da ligação de forma brusca e rude. Já no que diz respeito ao que foi mencionado pelo Gerente de Telemarketing, acredito que seja melhor criarmos um novo índice, o CVSG – COMO VAI A SUA GENITORA. Vamos obter os dados para criarmos uma meta para esse novo índice. Alguém tem outra consideração?
Srta. Mercês levantou a caneta e abaixou sutilmente a cabeça em sinal de humildade. Os olhinhos suplicantes.
- Srta. Mercês, pois não, alguma sugestão?
- Não, não. Peço mil desculpas, mas os senhores me dariam uma licençazinha para ir ao banheiro? É que estou que não me aguento mais.
Créditos: quadro "Operários" de Tarsila do Amaral