Sangue e fumaça

Com uma tragada lenta e densa eu encho meus pulmões.  A fumaça passa macia pela minha garganta, como um gole de agua pura.  O gosto que o ultimo charuto da sua vida tem e algo além do que se pode chamar de sublime.Um infiltrado me entregou um maço desses dos bons com um pacote estranho junto com eles, " use quando souber que esta na hora de usar, vai te tirar daqui" disse ele.

As celas ao lado a minha dormem... Os presos que vivem dentro delas, respiram calmamente o seu desespero. Lotadas por criminosos, ou não, elas dormem, eles dormem. E eu sentado nesse colchão velho fedendo a urina, fumo. Fumo pensando no pacote que aquele garoto assustado me entregou e eu guardei debaixo na cama.

Solto a fumaça lentamente lentamente pela noite, observando-a dançar pelo vento frio, se dissipar e sumir completamente. Uma bela cortesia da guerrilha, devo concordar, esses malditos cubanos sabem mesmo como fazer cigarro.

Pego o o pacote debaixo da cama, já nao me resta muito tempo. Provavelmente nao viverei para ver o nascer de outra manha murcha, ou para escutar o canto de agonia dos passarinhos pelos corredores. Encaro o pacote... Pátria amada, idolatrada, salve... Salve-me...

Anda dormem. A minha frente, aos meus lados, talvez ate mó céu além de mim. Penso no que tinha além de tabaco naquele cigarro. Junto força sobre os meus ossos quebrados, apoio-me na cama que range a cada simples movimentos e levanto-me para arrasto uma cadeira velha do canto da cela, coloco-a no meio, sento.

Sinto o peso daquele pacote novamente... Rasgo para dar de cara com o inevitável. Uma pistola 38, uma bala e minhas ultimas esperanças saem daquele pacote. Um única bala foi o que me mandaram, nao se faz uma revolução com isso... Nem ao menos assusta..." vai te tirar daqui" foi o que ele disse... Uma única bala, a chave mais eficiente da porta dos fundos. 

Carrego a arma, sinto como se ela estivesse mais pesada do que com todas as balas postas. Ouço a arma sussurrar o hino nessa noite malditas e eu a aproximo do meu ouvido para escutar melhor. Entre o toque frio do cano no meu ouvido e do meu dedo no gatilho, eu olho para o céu além das grades... Noite de lua nova, parece ate que a lua se afastou dessa noite por compaixão de me ver. E a noite nunca esteve tao escura. Então o grito de liberdade desponta em meu ouvido. Toda aquela dor, toda aquelas memorias e toda essa historia, no espaço de um disparo, simplesmente, caem no esquecimento.

Cadu Guerra
Enviado por Cadu Guerra em 28/10/2012
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