Dias de luto

Puxando de dentro de mim um sentimento que me faz chorar, despejo um rio de palavras e lágrimas numa folha de papel. Sei que o que sinto jamais tocará você, tão distante... Minhas palavras registradas num silencio incompleto (entrecortado por soluços de lembranças) não vão te trazer de novo pra mim. Você partiu e levou meu coração com sua alma, para este mundo que não conheço, que não sei se existe, onde não sei se te encontrarei novamente. Nesta folha arrancada de um livro qualquer, digo que pensei em te seguir por este caminho que trilhou... Mas fui tão má, não te reencontraria no âmbito dos bons... Logo permaneço aqui enclausurada na tristeza por mim mesma proposta. Removo baús, uso tuas roupas, bebo seu café como se eu fosse você. Mas nunca tomei seu lugar à mesa, nem deixei de te esperar às cinco e meia... Como se você realmente fosse chegar, e me beijar outra vez. Ah o teu amor, o teu amor assombra a casa dos meus sonhos, me impede de olhar para outros rostos, e então me fixo nos retratos espalhados pela sala e pelo quarto, me desmancho em prantos e sorrisos de louco. Eu me mordo, me arranho, me conforto, me apago... me embalo na cama outrora nossa, busco um pouco do bem que me trazia, em meio aos lençóis ainda infestados por teu cheiro. Sofro e na loucura do luto, tenho espasmos de prazer em meio à agonia da tua ausência. Onde estás? Por que te deixei partir? Eu tinha você entre meus braços e sentia o teu amor, você era o que me reconfortava, me fazia rir, minha completude. Era quem realizava meus caprichos, e saia para comprar doces e flores, e me deixava esperando por uma surpresa ao sair e voltar em vinte ou trinta minutos, à nossa cama. E me fazia gargalhar com bobagens e mimos, comprados de ultima hora, após a festa. Uma hora vivos, outra hora atravessamos a rua, e chegamos do outro lado da, não mais, vida. Te vi partir, da minha janela, com aquele sorriso de correspondência... Uma ultima lembrança, não a promessa de que retornaria, mas sim a de que ficaria para sempre gravado dentro de mim. E quando se virou e me mandou aquele ultimo beijo, a uma distancia que eu julgava já ser grande, não percebeu que era uma incoerência, se preocupar com meu olhar de apaixonada, no lugar de cuidar de si (ah, você foi meu amor) fixou seus olhos nos meus, e no silencio da troca de olhares amantes jurou-me tantas coisas, que não podem ser descritas. E eu vi o fim se aproximar, e te colher... vi teu corpo cercado de seres que não compreendiam a dor, vi teu sangue e gritei amargamente, querendo te entregar meu coração, desta vez literalmente, para que ele pulsasse no lugar do seu. Queria te dar meu ar, gritei como se minha voz pudesse te dar forças para voltar. E seus olhos permaneceram em mim, com o brilho se extinguindo, e respiração parando, eles permaneceram em mim, e não se fecharam, vidraram-se abertos naquela com quem tudo compartilhou. Ouvi desculpas de culpados, apenas não mais que eu, sim fui eu que te deixei ir... Então ver teu corpo inerte, vazio, inexpressivo, ser coberto de grãos e flores, me jogou num silencio semelhante ao teu. Agora permaneço na melancolia, sei que não vais voltar... Vestida de negro flutuo pelas sombras e neblina, gélida como se você também tivesse levado a minha vida. Na casa vazia de vida, seguro a corda com o nó, preparo a cadeira, sonhei contigo preciso te reencontrar e dizer o quanto te amo. Estou numa noite sem luar sem a esperança de rever o sol, que pela lei natural voltará ao seu lugar.