O fim de Clarisse
Tarde da noite Clarisse perambulava pela rua. Ruas escuras, sem nenhum tipo de iluminação; se houvesse, era somente a luz da lua, mesmo assim ínfima. Embora estivesse escuro, ela não se importava. Desejava que algo desastroso acontecesse; desejava que sua vida fosse levada, que sua alma fosse embora descansar. Apenas desejava.
Ao longe Clarisse percebe uma luz, rapidamente transformando-se em duas. Era um caminhão. Com a pouca luz em sua direção, ela pode ver suas mãos manchadas de sangue e algumas manchas roxas sobre o braço; o que causou uma grande dor no peito, fazendo lágrimas jorrarem pelo seu rosto. O seu plano era simples e indolor. Quando o caminhão estivesse muito perto, perto o suficiente para não desviar, ela se jogaria na frente e tudo estaria acabado.Pronto; sem dores, sem decepções.
Clarisse estava mais calma do que imaginava, seu coração, ela mal sentia bater, ou não sentia. Estava decidida, tudo aquilo precisava acabar. Quando o caminhão estava próximo, ela correu para o meio da estrada, fechou os olhos e gritou. Esperou pela buzina, mas não a ouviu; esperou pela diminuição de velocidade, que não ocorreu. Não podia mais desistir, não havia tempo. Fechou seus olhos e pronto, o caminhão alcançou-a.
"O que aconteceu? Eu devia estar morta!" berrou Clarisse. Olhou para trás e viu que o caminhão passara, embora nada tivesse acontecido à ela. Aos poucos sua memória foi retornando... O sangue em seu corpo, os hematomas, a roupa rasgada. Quantas vezes ela tentara se matar? Quantas noites Clarisse aparece nessa estrada pedindo ajuda? Recordou-se. Chorou, chorou de soluçar, chorava e gritava ao mesmo tempo. O padrasto de Clarisse abusara dela. Em um momento de loucura, fazer saliências com uma menina de quatorze anos não fora suficiente, ele matou-a.
Aproveitou que a mãe de Clarisse estava no trabalho e foi até uma rodovia qualquer. Avistou uma estrada de terra meio escondida, decidiu que lá seria o fim dela. Jogou o corpo da pobre menina no mato, sem nenhum remorso. Voltou para casa como se nada tivesse acontecido.
Hoje, um ano após seu corpo ter sido jogado em um terreno qualquer, sua mãe vive ao lado do assassino de sua filha. Ingênua, nunca desconfiou quando Clarisse mantinha-se calada ou triste pelos cantos da casa. Sofre a perda de sua única filha e refugia-se nos braços de um imundo desalmado.
Tudo que Clarisse busca é a paz de seu espírito; deseja que alguém encontre seu corpo; mais do que tudo, deseja que sua mãe um dia descubra o quão monstro aquele homem é, que possa levar uma vida de verdade, e não uma mentira nos braços de um sanguinário.
Ela vaga buscando sua paz, a sua ida para um lugar melhor. Seu rancor a mantem aqui, sua dor implora para deixá-la ir, mas não consegue; vive perambulando pela avenida, tentando morrer novamente, ou tentando fazer com que alguém veja seu pobre espírito.
Clarisse só tinha quatorze anos, assim como muitas outras pobres crianças...