Amor pelas orquídeas

Era um homem rude que nunca abandonara os trabalhos braçais. Perdera a mãe ainda criança e mais tarde o pai. Passara toda sua infância e adolescência morando em uma fazenda onde o pai era vaqueiro. Com a morte do pai, ele e os irmãos espalharam-se pela vida. Cada um seguiu um destino. Ele foi morar num arraial nas imediações da fazenda em que fora criado. Era o único dos dez irmãos a não abandonar aquele canto de mundo. Arranjou serviço numa fazenda próxima ao local onde residia e ia todos os dias para lá, retornando após o trabalho. Estava agora na meia-idade e vivia sozinho. Não se casara e não tinha filhos.

Um dia, seu patrão, o Sr. Luís, perguntou-lhe:

— Tião, qual é a coisa que você mais gostaria de possuir?

Com sua costumeira calma, o jeito pausado de falar, os olhos perdidos no infinito, disse:

— Uma bicicleta vermelha.

O Sr. Luís ficou surpreso com aquela resposta e passou a rever alguns conceitos arraigados na sua cultura. Que grande distância separava os valores materiais da sociedade em que vivia daquele simples lavrador, que vivia tranquilo em contato com a natureza e desejava apenas uma bicicleta vermelha? Após alguns minutos de silêncio, o patrão perguntou-lhe com uma ponta de bom humor:

— É preciso que a bicicleta seja vermelha?

Com seus gestos medidos, ele falou:

— A bicicleta mais bacana que já vi até hoje é a do Zé da Tunica e ela é vermelha.

O Sr. Luís gostava muito dele, mas conhecia a sua fraqueza. Tião não podia possuir nada que os “amigos” iam propor-lhe o que alguns chamam de barganha e outros de catira. É tudo a mesma coisa. Ele ia trocando e levando prejuízo, trocando e levando prejuízo, até ficar sem nada. Um som que ele possuísse podia no final se transformar numa galinha, que uma vez na panela acabava-se a história. Trabalhava naquela fazenda há muitos anos e era de confiança. O Sr. Luís tentava suprir-lhe as necessidades levando alguma coisa para ele e recomendava: “Vai ficar emprestado com você”. Tinha sido assim com a geladeira, com a televisão. Foi a forma que encontrou para que ele desfrutasse delas e os amigos não as cobiçassem.

Naquele cair de tarde, ouvindo os últimos cantos dos pássaros, o patrão começou a pensar na bicicleta vermelha. No final da semana, comprou uma da cor dos sonhos de Tião, colocou-a na caminhonete e dirigiu-se para a fazenda. Chegou lá no momento em que ele se preparava para pegar a estrada a pé, de volta para casa. Ao ver aquela bicicleta vermelha novinha na caminhonete, fixou os olhos nela. O Sr. Luís, vendo os seus olhos de admiração, disse-lhe:

— É para você! Pegue-a e experimente se está boa. É esse tom de vermelho que você queria?

Ele perdeu até a ação, ficou parado sem coragem de tocá-la e falou:

— Ela é bonita dimais da conta! É mais bacana que a do Zé da Túnica.

Depois pegou-a com todo cuidado, como se tratasse de um objeto melindroso. O patrão disse:

— A partir de hoje você não anda mais a pé.

Ainda sem acreditar no que ouvia, ele falou:

— O senhor vai deixar eu levar ela pra minha casa?! O patrão riu confirmando e completou:

— Ela vai ficar emprestada com você, mas pode usá-la como se fosse sua. Toda manutenção fica por minha conta.

Ele montou na bicicleta e saiu pedalando, todo feliz.

Tião respeitava a natureza e cuidava bem dos animais. Quando precisava cortar alguma árvore, logo examinava para se certificar da ausência de ninhos. Se tivesse algum, ele procurava outra. Um dia, apareceu um cachorro muito magro, vítima de maus-tratos na fazenda e ele começou a dividir a sua refeição com ele. Quando o Sr. Luís tomou conhecimento passou a levar ração para ele tratar dele.

Mas o mais incrível era a sua admiração por orquídeas. Quem o conhecesse não seria capaz de imaginar que naquela grande estatura, naquele físico robusto se escondia um coração com este tipo de sensibilidade. Quando via alguma árvore morta com uma orquídea, ele a retirava e a levava para a sede da fazenda. Ali encontrava sempre uma árvore para encaixá-la e elas sempre pegavam e floriam. Fazia tudo isso de iniciativa própria, em silêncio. A sua voz era raramente ouvida. A sua presença discreta e silenciosa muitas vezes não era percebida. Mas as orquídeas ali permaneciam e registravam a sua presença em todos os momentos.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 21/10/2012
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