BALADA DE HEITOR







O centro às 17:35hs, é um inferno. Pessoas passam correndo de um lado para outro, entram em ônibus, gritam de dentro dos carros, assaltam, são assaltadas e acima de tudo, são indiferentes.
Indiferentes, porque às 17:36, Heitor decidiu morrer.
E parado em frente ao ponto de ônibus, sacou de sua navalha e cortou próprio pescoço.
Cai por ali mesmo, em meio aos outros 32 presentes que aguardavam o ônibus.
Caiu por cima da caixa de seu violoncelo, deixando espalhadas pela rua as partituras do concerto de Dvorack.
O calor naquele momento era infernal, e o ar sufocante por causa da poluição. Nem um sopro de brisa para aliviar o tormento daqueles condenados ao inferno.
O corpo e seu violoncelo foram pisados quando o ônibus chegou. Todos desejavam chegar em casa. Praticamente uma corrida de obstáculos, onde se tinha de vencer a pessoa que estava ao lado, a escada do ônibus, o assaltante que estava na terceira cadeira e enfim o trocador. Logo depois, o aperto, as mãos bobas, o mal cheiro, a sacola da senhora mal educada, e toda sorte de freadas bruscas.
Lá no ponto, Heitor permanecia sangrando, morto, com a navalha na mão. Não se sabia nada sobre ele. A não ser seu nome escrito na caixa de violoncelo. E também, que diferença fazia? De onde vinha, não importava. Para onde foi, os mais cristãos têm a resposta. Suicidou-se. Foi para o inferno.
18:30hs. A corrida maluca continuava, e os alunos do curso noturno de letras, vieram para o ponto, correndo. Eram três amigos muito esperançosos no futuro. Mas Letras não era tudo aquilo que eles pensavam. Queriam ser o Drummond. Isso sim. Mas faltou inteligência.
Um dos alunos de Letras que queria ser o Drummond, viu o corpo no chão, ensangüentado, e perguntou ao outro, por que alguém se mataria justo ali. O outro respondeu que não saberia dizer, mas que deveria usar isso em algum livro no futuro. O tema do Livro? Folclore.....
Lá se foram os três alunos de letras. O outro, que permeceu calado, não estava muito interessado em cadáveres. Queria saber mesmo, é como contaria a sua mãe sobre sua nada convencional opção de vida.
19:00hs. A noite caiu, juntamente com uma tempestade arrasadora. A água, levou para o bueiro partituras e muito sangue, para logo depois o céu se abrir. Para uma lua monótona e convencional, do tipo que os violinistas no telhado gostam de homenagear com melodias açucaradas.
Naquele horário, havia o turno dos assaltantes noturnos. O movimento estava fraquíssimo por causa da chuva. E o assaltante entediado, acendeu seu cigarro. No ponto de ônibus,ainda estava o cadáver.
O assaltante se aproximou e viu aquele amontoado molhado, com o violoncelo. Branco como cera, os lábios roxos, e com o corte na garganta bem à vista.
O assaltante tinha por lei, não fazer distinção entre os assaltados. Não escolhia por raça, cor, credo, ou tintura de cabelo. Um cadáver, seria a primeira vez. Porém, ele era antes de tudo um profissional.
Vasculhou os bolsos do defunto, onde encontrou um anel de ouro, um celular desligado e a carteira. Dentro dela, notas de 5,00R$, identidade e duas entradas para o Tanhauser.
O assaltante pegou o dinheiro, e ficou feliz com as entradas. No dia anterior, quando foi comprar ingressos para a ópera, já se haviam esgotado. E sua esposa, mais do que ele, gostava profundamente das óperas de Wagner.
O assaltante terminou o serviço. Tiraria folga naquele dia. O movimento não estava interessante. O violoncelo, ele não levou. Não era nada discreto. Foi assoviando pela rua, o tema do Venusberg....
Os carros passaram, as horas passaram e até a lua antipática do céu, passou, para surgir um outro dia.
No ponto, chegaram as crianças do colegial. E elas são sempre curiosas. Uma delas, enfiou o dedo no corte da garganta do defunto, para ver o que havia lá dentro. Uma das meninas, disse para não fazer isso, pois cadáveres cheiram mal. E de fato, o cadáver começou a cheirar mal, especialmente por causa do calor.
Nesse momento, exatamente às 12:00hs, chegou o carro de polícia, com dois policiais. Um deles se referiu ao morto como “o presunto”. Muitos dos presentes, não puderam deixar de associar o morto ao café da manhã, após aquela desagradável comparação.
Os policiais não deram muita atenção ao morto, pois receberam uma chamada por conta de um assalto. E lidar com quem ainda estava vivo era prioridade.
Somente à tarde, quando o caminhão de lixo passou, é que o cadáver foi removido. Dois lixeiros do caminhão jogaram o corpo dentro da caçamba. O violoncelo foi junto, onde mais tarde foi compactado junto com o dono.
No ponto de ônibus, ainda as pessoas podem ver uma ou outra marca de sangue, mas agora, por conta dos pés das pessoas, elas vão se apagando. Até que não reste mais nem sinal, de um Heitor que resolveu se matar.

 

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 21/10/2012
Reeditado em 21/10/2012
Código do texto: T3944479
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