Conte ao mundo por mim
Miguel sentia-se na obrigação de levar uma palavra de conforto aos que precisavam. Ele ajudava muitas pessoas a continuarem vivendo após perderem o sentido e o amor pela vida.
Um dia, ao voltar para casa, ele foi abordado por uma mulher que o fitava com amargura.
A princípio, ele recuou, já que nunca a havia visto em toda a sua vida. Diante daquele confronto, sua primeira concepção foi que aquela mulher tinha uma profunda dor na alma. Seu olhar refletia revolta. O que ela queria?, questionou Miguel a si mesmo.
O olho-a-olho entre eles fê-la romper o silêncio.
- Você acha que um dia vou encontrar Deus? – perguntou a ele com voz embargada.
Miguel tinha mil respostas para aquela mesma pergunta. Certamente, teria passado horas a fio explicando e ensinando os caminhos para encontrar Deus. Mas, pela primeira vez, disse o contrário a alguém.
Aqueles olhos negros fitavam-no ansiosos. Até que ele respondeu:
- Não. Você não vai encontrá-lo. – Havia ousadia e intrepidez quando falou.
Ela não pareceu decepcionada e sua fisionomia facial não mudou. A mulher não demonstrou nem um pouco surpresa com o que ouvira.
- Ah, pensei que você fosse me empurrar sua crença – depois de dizer estas palavras, a mulher virou-lhe as costas e dispôs-se a caminhar com pés firmes.
Após deixá-la afastar-se um pouco, ele continuou dizendo:
- Eu não acho que a senhora vá encontrá-Lo, mas tenho certeza de que Ele vai encontrá-la – Ele fez uma pausa, quando ela virou-se para fitá-lo com um olhar penetrante.
Então, continuou pacientemente:
- Não é da minha crença que você precisa, e Ele sabe do que você precisa...
A mulher deu de ombros sem dizer uma palavra sequer e se foi.
De certa forma Miguel ficou desapontado pela frieza daquela mulher em relação às suas palavras. Tinha certeza que havia lhe dito o que ela precisava ouvir. Só não sabia se a veria novamente.
Ficou bem ali, parado, olhando-a sumir no meio de pessoas que iam e vinham. Depois que ele a perdeu de vista, foi para casa levando consigo a imagem apática daquela mulher de meia-idade, cabelos escuros na altura dos ombros, pele clara e de altura mediana. Parecia angustiada, levando consigo uma expressão sombria.
Cinco meses passaram-se desde aquele dia. O que ele não esperava era que fosse chamado às pressas para atender uma mulher que desejava vê-lo com urgência. E que essa mulher tratava-se da mesma que o abordara na rua há algum tempo.
Não era “santo” nem fazia nenhum tipo de milagre. Eram suas palavras de fé e esperança que costumavam dar novos rumos à vida de quem havia perdido o sabor de viver. Seus conselhos sábios consolavam aos que precisavam ser consolados.
Chegou então à casa da dita mulher que ansiava vê-lo, o mais rápido que pode. Fosse lá quem fosse, não ostentava riqueza, mas não podia negar que desfrutava de uma vida de conforto. A moça, que aparentava ter quase a sua mesma idade, veio recebê-lo. Por um minuto ele teve certeza que já havia visto aquele rosto em algum outro lugar.
- Você deve ser o anjo que minha tia havia dito – disse a bela moça – Venha, ela o está esperando.
Miguel acompanhou-a intrigado. Do que ela está falando, afinal de contas?, perguntou-se, enquanto entrava no quarto indicado pela garota.
Não foi difícil chocar-se ao deparar-se com a imagem debilitada da mulher que ele havia encontrado meses atrás. Já vira antes pessoas naquele estado terminal, só não esperava que veria exatamente aquela mulher. Se ele quisesse, podia contar quantos fios ainda lhe restavam na cabeça.
- É câncer – disse quando o viu aproximar-se com o semblante compadecido. Da outra vez não disse meu nome. Sou Leonora – Ela deu um sorriso cansado e cheio de esforço.
Ele sentou-se numa cadeira ao lado dela e disse:
- Se crer, será curada – confessou com fé.
- Sabe, Miguel... Este é o seu nome, não é?
- Sim, meu nome é este.
- Pois bem, não foi para ser curada que o chamei aqui – dizia com uma carga de esforço ainda maior – E sim para dizer que seu Deus me encontrou como você havia dito que Ele me encontraria. Quando Ele veio ao meu encontro, não pedi a Ele cura. Preferi ter com Ele a paz do céu.
O rapaz, sempre acompanhado do seu Livro, o guia de conselhos – a Bíblia –, compreendeu bem ao que ela se referia e riu com satisfação.
- Vim para casa surpresa naquele dia. Sua resposta, “... Tenho certeza de que Ele vai encontrá-la”, me fez refletir muito. Apesar de não estar muito interessada em encontrá-Lo...
- Mas Ele estava interessado em encontrá-la – interrompeu-a, afirmando.
- Decidi gastar o tempo que me restava fazendo algo importante. O problema, Miguel, é que nada parece suficiente quando se vai morrer.
Ele ouviu-a atentamente.
- Um dia eu me virei e vi que Deus estava diante de mim. Estava bem ali, parado, olhando-me. Ele veio no instante em que eu havia me esvaziado de mim mesma – ela parou por um momento, buscando fôlego – Não é de qualquer jeito, é com sinceridade.
- Chamá-lo não é o suficiente para nenhum de nós – comentou, arqueando a sobrancelha.
- Ele fez o seu próprio tempo.
- Na verdade, o tempo certo é quando estamos prontos. E só podemos estar prontos quando Ele pode entrar e fazer morada dentro de nós.
Houve um breve silêncio até que ele dissesse.
- É preciso que conte este testemunho a algumas pessoas. Quero que conte a elas que o caminho mais certo para encontrar Deus não é fazer dEle um consolo instantâneo em um momento de necessidade, mas abrindo-se por dentro para que Ele seja sua posse particular para todo o sempre.
Embora tenham combinado uma data, tanto ela quanto ele sabiam que Leonora não chegaria a ir.
Uma semana depois ele foi vê-la novamente. Na verdade, foi a última vez.
- Não vou poder ir, Miguel.
- Eu sei que não – respondeu ele.
- Pode contar a eles por mim? Pode contar ao mundo por m-i-m? Suas últimas palavras foram um suspiro. O suave suspiro da vida terrena...