Os Vargas - Texto I

Ele olhou o relógio: - Cinco e treze, pensou alto, uma hora e treze de atraso, concluiu. O aeroporto estava um caos, mais parecia sua vida. Chovia e fazia frio, o céu estava cinza e morto, mas isso não importava, havia trabalho a fazer.

As pessoas iam e viam sempre apressadas enquanto ele observava atentamente o painel que monitora os vôos. Seu semblante parecia uma pedra de gelo. Qualquer que fosse a situação ele nunca o mudava, tinha aprendido a controlar suas emoções ao longo dos anos e aquilo era bom, afinal, depois daquele dia, muita coisa iria mudar.

Sentiu uma vibração no bolso direito de sua calça jeans. Pegou o celular que odiava. Homem não usa celular ‘de toque’, dizia, mas tinha um mesmo assim. Foi incrivelmente rápido para acessar a mensagem e lê-la mentalmente: Tudo ok. Assim que vc chegar venha p/ a cabana do rio. Não foi tão rápido para digitar, mas consegui responder: ainda no aeroporto, vou demorar!

O tempo que levou para conseguir digitar a mensagem foi bom para passar o tempo. Assim que a enviou ouviu a chamada para seu vôo. Enfim, suspirou.

Sentou-se a janela, mas cedeu o lugar para a moça que sentou ao lado. É minha primeira vez, ela disse. Não havia nada para ver com aquele tempo nublado mesmo, todavia, trocou de lugar, mas não palavras.

Enquanto o avião taxiava, ele fechou os olhos, recostou-se na cadeira e passou a pensar naquela situação:

Sessenta, setenta, oitenta anos. Ninguém mais se lembrava quando tudo aquilo havia começado. Duas famílias que ajudaram a fundar e a construir uma cidade viviam em pé de guerra há muito tempo. Uns diziam que tudo começou devido algumas sacas de café, outras, por algumas cabeças de gado. Havia quem afirmava que fora uma mulher a responsável, mas a verdade era que ninguém mais sabia ao certo o porquê, fato era que enquanto uma família se unia e se fortificava com o passar dos anos, a outra só se desentendia. Brigas internas; lutas por heranças e traições estavam levando uma família à ruína, mas o assassinato do quarto de onze filhos poderia unir uma linhagem tão enfraquecida.

Perdido em seus pensamentos, ele dormiu.

*****

Um homem é dono de seu destino. A vida é feita de escolhas e todos os Bredas sabiam disto.

Nosso inimigo está fraco, é hora do golpe final inflamava o mais velho. Não é hora da morte de um dos filhos, discordava o mais novo. Votaram. Decidiram pelo assassinato, e assim fora feito. Num domingo à tarde, depois do futebol e de algumas doses lá estava um corpo estendido à beira da estrada. Alvejado no peito, certeiro, impiedoso.

Sem Filipe eles estão acabados, comemoravam. Filipe era quem buscava a paz na família, o único que tinha esperança na reconciliação dos irmãos, mas não mais. Beberam a noite toda, riram, festejaram. Menos um: o caçula. Ele temia que o assassinato do irmão fizesse com que os outros se unissem.

A mãe do finado chorou, as irmãs rezaram e o pai jurou vingança e teve com André, o mais velho, que se encontrou com Pedro, o segundo, que foi falar com Tiago, o oitavo, com quem ainda tinha boa relação. Não demorou até que encontrassem o atirador. Alguns dedos a menos e ele contou todo o trama. Não restavam mais dúvidas dos mandantes. Falaram com o pai, e os quatro decidiram que alguém do outro lado deveria morrer como pagamento da dívida. Um jogo perigoso poderia iniciar.

*****

Três horas e meia depois, já havia aterrissado. Era noite. Tomou um taxi e foi direto para casa. Por mais que não entrasse nela há algum tempo, sabia onde estava cada coisa. Foi direto para geladeira: só havia água. Abriu o armário e viu alguns biscoitos que provavelmente estavam velhos. Preciso fazer compras, pensou. No fundo ele sabia que desta vez iria ficar muito tempo na cidade. Ligou a TV e foi tomar um banho. As roupas estavam cuidadosamente dobradas e guardadas. Como sempre, optou pelo jeans: calça e jaqueta. Boné preto e camisa azul marinho. Tênis cinza. Abriu a terceira gaveta do criado mudo, pegou a bíblia e a deixou sobre a cama, sob um fundo falso pegou sua Taurus PT-938 de cabo personalizado com o brasão da família. Conferiu a munição. Saiu e foi ao local aonde a mensagem dizia.

O local era um lugar afastado. Era preciso abrir porteira e passar por estradas estreitas e cheias de mato. No mp3 de seu 4x4 tocava Stronger* de Kanye West. Quando chegou, antes de sair do carro suspirou. Ouvia a água lenta correr no rio logo abaixo da rústica construção.

Entrou na cabana de madeira. A porta antes estava fechada, mas sabia como ninguém abri-la. Cumprimentou os irmãos sem dizer uma palavra. Olhou para o prisioneiro, que riu alto:

- Esse tempo todo esperando pelo lobinho, vocês são patéticos.

- Cale a boca, verme – ordenou Pedro.

Tiago o levantou com força e o forçou para fora da cabana. Seus irmãos o acompanharam. Chegando ao leito do rio empurrou o Breda que cuidada das finanças de sua família. Com as mãos amarradas não pode se proteger e a areia fria e grossa arranhou seu rosto, que sangrou.

- Querem que eu fique de joelhos? Façam o que têm de fazer logo e acabem com isto.

- Levante-se – ordenou Matias, o mais novo dos onze.

Ele fala, pensou o prisioneiro que incrédulo se levantou: - Não pode ser. Mandaram mesmo você fazer isso, lobinho? Sabe como se faz? – Ele sabia que de nada adiantara tentar desestabilizar o emocional de Matias. – Eu acabo aqui, mas logo os verei no inferno. Estão acabados e minha morte só acelera seu fim.

O homem viu Matias sacar a arma, negra como o manto da morte. A vida é feita de escolhas, parecia ouvir seu pai falando em sua mente. Não houve arrependimento, não houve tristeza, nem medo. Chagara sua hora e ele tinha a certeza que seria vingado. Sentiu o frio do cano inox no centro de sua testa.

- Nós estamos acabados? Vocês nem mesmo coragem de puxar o gatilho tiveram - fez uma pausa para engatilhar a arma. – É assim que os Vargas fazem.

Puxou o gatilho, ouvi-se um disparo e um corpo caindo já sem vida.

O placar agora era 1x1, mas aquele jogo estava longe de terminar.