Restos.

Mas ela correu pelo trilho inteiro enquanto o trem ia já bem mais à frente, levando dentro uns restos mortos de uma amizade. Parou ofegando, considerando as hipóteses todas que levaram não só ela, mas aqueles restos todos ali também, naquele destino, daquele jeito, tão de repente. Tudo que pôde considerar, era que os restos eram imaginários, porque de certa forma, algo que não existira não poderia ser transformado em vários pedacinhos concretos e levados por um trem. Foi então que entrou em uma questão ainda mais absurda: os limites humanos sobre o que é real ou não. O rapaz dissera tantas coisas, tantas promessas, tantos peixes que eles pescavam juntos e, no caminho de volta para casa, havia sempre uma flor que ela recebia. Que ele estava de partida, ela sabia. Que ele não queria ficar, ela também sabia. Mas ainda assim, quando ele foi embora com o trem, ela se pegou tentando entender o motivo de mil coisas que no fim, não tinham explicação nenhuma. Porque realmente, nada havia ocorrido pra ele. Enquanto arrancava uma flor e a entregava em sua mão, ele só pensava em destruir a árvore, enquanto ela via o gesto e sonhava que tinha enfim encontrado um amigo de verdade. Em algum lugar, alguém via e sussurrava baixinho ”Ah minha filha, é a vida… Muitos trens levam as pessoas, e quase nenhum traz”. Ela ignorava qualquer filosofia que a fizesse pensar sobre todas aquelas coisas. Acreditava. Para ela, acontecera, fora real, arrepiara a pele, e então a moça se lembra dos abraços. Ela se lembra de ter ouvido o coração dele também. E lembra como ele se preocupou em saber se ela estava feliz, uns dias antes de partir. Ele disse que também estava. Partiu. Talvez goste de ser sozinho… Ela também amava ser sozinha. Mas a solidão, depois daquela amizade, virou um mar escuro e frio e ela nunca soube nadar. Por fim, o vestido sujo, o pé sangrando, o coração na mão, ela desistiu de seguir o trem. Em algum lugar, alguém via e sussurrava baixinho, talvez contando uma mentirinha, talvez falando com fé ”Espera, se há restos lá dentro, esse trem traz de volta”. Ela quase chorou. Foi embora porque percebeu que dentro do trem, não tinha resto nenhum, ele ia embora inteiro. Resto, no final das contas, era ela.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 19/10/2012
Reeditado em 19/10/2012
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