Três fios...
(Flavia Costa)

A mulher, acabando de sair do banho, se posta diante do espelho para pentear os cabelos. De repente, uma cara de espanto a contempla. Ela acaba de descobrir três fios brancos em seus cabelos negros naturais. Ainda aturdida, inspeciona o couro cabelo à procura de mais algum fio de neve na cabeça. Não há mais fios brancos, apenas os três apressados. Inconformada a mulher toma uma decisão. Pega o telefone, faz uma ligação e combina de encontrar com alguém na manhã seguinte às 10 horas.

No outro dia às 09h30min sai de casa. A distância entre a casa e o local do encontro não dura mais que 15 minutos, mas ela resolve chegar um pouco mais cedo. Dá azar, pega um engarrafamento que a faz ficar presa no trânsito por mais de 30 minutos, queimando combustível. Finalmente, às 10h15min ela consegue chegar, mas por conta do atraso é necessário que espere cerca de 40 minutos para ser atendida.

Estressada pelo trânsito infernal e por ter se atrasado começa a se preocupar com a hora, precisa estar no trabalho às 12h30min. Neste momento o telefone toca, é o marido carinhosamente convidando-a para almoçarem juntos. Ela, tomada pela agitação o descarta com rispidez. O homem que queria ser gentil desliga o telefone chateado com as palavras da esposa.

Às 11 horas, finalmente, a pessoa com quem marcou o encontro pode atendê-la.

Já acomodada na cadeira, a cabeleireira coloca a mão em seus cabelos e pergunta se ela irá fazer o corte de sempre. Não, diz a mulher, desta vez, quero pintar. A cabeleireira sem entender, diz a ela, mas você nunca pintou antes. Ainda inconformada pela lembrança a mulher responde, sempre tem uma primeira vez, e, por favor, quero que pinte na cor natural.

A cabeleireira dá de ombros e começa o trabalho. Prepara a tinta, pinta os cabelos da cliente fios grisalhos, deixa o produto agir. Enquanto aguarda a tinta fazer efeito, abre a torneira e gasta água para lavar os apetrechos utilizados na operação. Depois de alguns minutos, lava os cabelos da mulher, gastando mais um pouco de água. Pronto, cabelos pintados e lavados. Meio-dia, a mulher paga R$ 30,00 pelo serviço e sai apressada para chegar a tempo no trabalho.

Mais uma vez, perde um tempão no trânsito. Um acidente deixou a avenida em meia pista, não há saídas, a mulher não para de olhar para o relógio. Chega ao trabalho com quase uma hora de atraso, o chefe a olha de canto de olho. Ela tenta explicar, mas não adianta, o chefe enumera várias outras situações e lembra que ela já tinha sido avisada. É demitida.

A mulher, desempregada, entra no carro chorando, precisava do emprego, tantas despesas e contas a pagar, ainda mais agora. Sai dirigindo com os olhos embaçados pelas lágrimas, em uma curva, não vê que o trânsito está parado, tenta frear, mas não dá tempo, entra debaixo de um caminhão.

Às 15 horas o marido recebe a notícia da morte da esposa. Não consegue chorar, a primeira coisa que vem a sua mente são as últimas palavras que ouviu da mulher. Palavras amargas.

O estresse no trânsito, a queima de combustível, a água gasta, o desentendimento com o marido, a demissão, o acidente, a morte, a última lembrança, tudo por conta de três fios de cabelos brancos.

Quem lucrou com a história, a moça do salão, que pesava 58 quilos e agora com 63 está juntando dinheiro para fazer lipoaspiração.