Sol Vermelho
- Vamos Gritar mais alto agora! – olhei para aqueles lindos olhos castanhos, ela tinha coragem.
- Tudo bem – falei.
- Um... Dois... Três... – ela olhou para mim com aquele sorrisinho maroto.
- Somos os donos do mundo, PORRA! – gritamos juntos, minha garganta chegou a arder depois. Nós estávamos mesmo muito chapados.
- Abre outro vinho que se eu não acalmar minhas cordas vocais elas vão sair correndo – ela falou rindo e acendendo outro baseado.
- Certo – disse pegando outro vinho branco, nós estávamos mesmo muito chapados. Abri o vinho e coloquei parte do liquido em uma xícara com orelhas, um laço e a cara da Minnie, e outra parte em um copo desses de massa de tomate.
- Caralho, é hoje, eu to sentindo, é hoje. – não sabia o que “era hoje”.
- O que é hoje? – perguntei.
- Cara, to falando, você é mesmo muito alienado né? – ela riu de mim.
- Poxa, mas é que eu...
- Cala a boca e escuta, meu, to falando porra, você é mesmo muito alienado, aqui – ela aproximou o copo para mim colocar mais vinho – isso, mais – eu enchi o copo dela – hoje é o dia cara, hoje é o dia... - e ela ficava naquele suspense todo, olhando as estrelas, erguendo um pouco mais a saia de cigana, e olhando para as estrelas.
- Fala porra – gritei, estava impaciente – o que é hoje.
- É hoje – ela levantou e começou a girar, girar e girar, e eu fiquei tonto. Estávamos bêbados e chapados, estávamos loucos, no topo do prédio dela. Ela deixou cair o baseado e se deixou cair também.
- To ficando irritado, porra, o que é hoje? – já não aguentava.
- Ta sentindo? Essa calmaria – ela me deu o copo para encher de novo, e eu enchi minha xícara também – isso é tudo sinal, meu, tudo prelúdio.
- De que? – estava confuso.
- Do fim cara, hoje vai acabar, o sol vai nascer, mas vai ser diferente cara, o sol vai nascer vermelho, e enquanto todos vão olhar pra leste, hoje cara, hoje o sol vai nascer vermelho, mas vai ser a oeste, e na hora cara, na hora quem acredita, quem acredita vai ser salvo, porque hoje cara, hoje é o fim, hoje tudo vai acabar para quem acredita cara.
- Caralho – peguei o baseado e dei uma tragada – caralho – só pude dizer isso.
- Cara, quando você acordar, cara você vai ver.
- Quem disse que eu vou dormir? – eu ri.
- Você vai cara, porque você não acredita, mas calma cara, calma, você vai ver cara, quem acredita cara, quem acredita, isso vai acabar para quem acredita cara.
“Caminhando e cantando
E seguindo a canção” – ela cantou.
- Você ta muito chapada – eu ri enquanto enchia minha xícara e o copo dela, ela acendeu outro baseado.
“Pai! Afasta de mim esse cálice” – ela cantava e tomava um gole de vinho.
- Sério, tá me assustando – e eu falava e tragava, e de repente aquela puta vontade de cantar, mas o que, eu não sabia o que.
“Pai! Afasta de mim esse cálice” – ela repetiu, e repetiu e repetiu.
- Puta merda, - eu ri – você deve ta mais chapada que não sei o que.
- Cara levanta a porra da bunda dai, meu, é dia de alegria, a gente tem que ficar puta feliz! – ela me puxou e me fez levantar com ela.
“Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.” – ela cantou.
- Cara eu vou vomitar – coloquei as mãos no joelho e me arquei um pouco.
- Vomita cara, limpa o espírito, bota pra fora meu, porque o seu dia há de chegar, hoje é o meu, mas o seu, o seu há de chegar! – ela disse depois voltou a cantar.
“E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa”
- Puta merda – falei depois de vomitar – essa ai eu nem sei qualé!
“E a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão” – ela cantava agora girando.
- Cara, to mal – sentei enquanto ela cantava e girava.
“Não quero ser o dono da verdade
Pois a verdade não tem dono, não
Se o "V" de verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco, n'é mais quatro, não
Se o "V" de verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco, n'é mais quatro, não
Let me sing, let me sing
Let me sing my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, say
Num vim aqui querendo provar nada
Num tenho nada pra dizer também
Só vim curtir meu rockzinho antigo
Que não tem perigo de assustar ninguém
Só vim curtir meu rockzinho antigo
Que não tem perigo de assustar ninguém”
- Sério você vai passar mal – e eu cada vez mais mal, mas ela, ela não, ela só cantava e girava.
“Tem que ser selado
Registrado, carimbado
Avaliado, rotulado
Se quiser voar
Eh!
(Se quiser voar!)
Prá lua a taxa é alta
Pro sol identidade
Mas, já pro seu foguete
Viajar pelo universo
É preciso o meu carimbo
Dando: Sim, sim, sim...
Seu Plunct-Plact-Zummm
Não vai a lugar nenhum
Plunct-Plact-Zummm
Não vai a lugar nenhum...
Mas ora, vejam só
Já estou gostando de vocês
Aventura como esta
Eu nunca experimentei
O que eu queria mesmo
Era ir com vocês
Mas já que eu não posso
Boa viagem!
Até outra vez!”
Eu já não conseguia falar, e via o céu começando a ficar vermelho. Vermelho sangue.
“Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade até o dia clarear
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral... vai passar” – E ela girou mais e mais rápido, e quando percebi já não via mais nada, não sentia mais nada.
Acordei no outro dia, tava no mesmo terraço, o baseado caído, minha xícara e o copo dela, e eu deitado no terraço, e o céu já tava azul, e o sol já era sol de meio dia, então peguei as coisas e fui para casa, nunca mais a vi, mas eu bem sabia que um dia voltaria a vê-la, pois meu dia uma hora ia chegar.