A longa punição
Como um sopro de brisa que se materializa, lá estava o jovem. As feições conhecidas, apesar de esquecidas, esculpidas em sépia viva.
"Olá".
O ancião se voltou para ele com dificuldade. O reumatismo generalizado deformara-lhe as juntas dos ossos, tornando-as tão frágeis quanto as de um antigo fantoche, cujas articulações estorricadas se rompessem ao mais leve movimento ou esforço.
"Olá. Enfim, você veio".
"Sim". O jovem estava sentado na velha poltrona forrada de couro, perto da cama. Olhava-o amistosamente, como alguém que compreende o significado de um mistério, sem contudo poder revelá-lo. O ancião sorriu.
"Tenho esperado por você. Toda minha vida, tenho esperado por você".
O jovem, por sua vez, também sorriu. Um sorriso fixo, de esfinge.
"Entenda", disse. "Não poderia ter vindo antes do tempo".
O ancião soergueu o torso, recostando-se o mais confortavelmente possível nos travesseiros. O jovem nada fez em seu auxílio, limitando-se a observá-lo.
"O tempo é uma tortura", disse o velho. "Mas você já deve saber".
"Sim", concordou o jovem. "O tempo é uma tortura, mesmo para nós".
"Lembranças...", murmurou o ancião.
"Pode recordar?", o jovem inquiriu. Seu rosto não denotava qualquer emoção. Não pairavam reflexos em seus olhos.
"Eu me recordo", respondeu o ancião após alguns instantes. "Lembro que a amava. Amava tanto que não podia sequer pensar nela... você sabe, longe de mim. Eu a via comigo para sempre. Minha. Não como um objeto, mas como... um órgão. Um órgão externo que, mesmo sendo autônomo e dotado de personalidade, precisava manter-se meu. Pois se pertencesse a alguém mais, eu morreria".
O jovem se manteve calado.
"Você também se lembra, eu sei. Quando ela disse, naquela noite, que não podia mais, eu soube imediatamente o que devia ser feito. Desenhou-se em minha mente, com floreios agudos de sangue. Eu a matei, sufocada, e emparedei sua alma congelada junto da minha. Morremos todos naquela noite... inclusive a lembrança".
"Mas a aparência de vida continuou", disse o jovem.
O ancião moveu gravemente a cabeça.
"E com ela o espectro mudo da recordação".
Sentiu uma súbita falta de ar. O jovem pareceu sair de foco, ondulando, uma bandeira sem pátria em meio à neblina.
"Mas agora... é hora de esquecer", balbuciou o velho. "Para sempre. No momento certo, eles a encontrarão... descobrirão nosso segredo... e nossa punição".
"Sim", disse a imagem do jovem, desaparecendo lentamente. "Nossa longa, longa punição".
E, como o suspiro enfraquecido que se escapa dos lábios de um moribundo, a imagem daquele que ele havia sido se ausentou, diluindo-se na memória estagnada do quarto. O velho lutou contra o nó corrediço que se formava em torno ao seu pescoço... pequenas mãos pressionando sua garganta. Por dentro.