AS CARTAS QUE ESCREVI ANTES DE MORRER.

Recebi o diagnóstico hoje. Saí daquele consultório desesperada, não sabia o que fazer, o que dizer, o que sentir. Descobri que somente, agora, sou ´´morrível``, que somente agora sou mortal. Saí com olhos marejados e pus os meus óculos escuros para esconder a minha dor dos olhares curiosos que estavam na recepção. Quando cheguei ao carro, desabei!!! Solucei desesperadamente, com uma dor tão grande, tão infinita, tão dilacerante que me traçava afiados cortes no meu peito.

Eu precisava sair da frente daquele consultório...

Peguei a direção daquele carro qual uma ensandecida e procurei um lugar onde eu pudesse desmanchar minha alma, toda minha alma em lágrimas, onde eu pudesse soluçar alto, onde eu pudesse ser eu mesma, com toda a dor que eu sentia, porque não era somente o meu corpo físico que me maltratava. Não!!! Agora, eu levava minha alma, minha triste alma...

Eu quis por muitos momentos acabar com tudo! Eu quis, em algumas curvas por fim àquela dor que me partia em múltiplos pedaços, mas, eu não tinha coragem para morrer... Eu não tinha coragem para morrer daquele jeito.

Eu realmente me peguei pensando por que , logo agora, isso foi acontecer comigo...logo, agora que eu estava conseguindo tudo que mais desejava...Esbravejava naquele maldito carro por diversas vezes...lamuriei-me...gritei...

Encontrei, finalmente, um parque perto de uma lagoa, rodeada por árvores e lá percebi os patos e sua dança...vi que os pássaros catavam um canto lindo, vi que tudo tinha vida, mas eu, eu, a droga de mim não teria mais vida. Meuuuuu Deeeeuuuuuus !!!! Por quê ????? O que eu fiz???? Por que logo agora??? Por quê????

Minhas emoções iam me puxando para um poço terrível, aquele que só é possível ver escuridão... E minha dor crescia de uma forma desesperada, sofrida.

Eu desabei. Naquela tarde, ao pôr do sol, existia uma figura magra de mulher que logo se definharia... Que logo seus longos cabelos negros seriam ocupados por um lenço qualquer...

Afundei-me em mim de tal forma que não mais enxergava nada...

A verdade é que aos 28 anos de idade eu vi que estava no fim e, somente aí, percebi o quanto queria viver... O quanto eu queria brigar por cada dia que eu pudesse respirar...

É difícil começar do fim, essa foi àquela grande conclusão que eu tirei no meio de todos os meus pensamentos e escombros de vida.

Chorei por horas... Meu olhar distante deste mundo estava preso às minhas mais doces lembranças: dias felizes; reuniões familiares; aquele namoro escondido; a primeira vez que escrevi o nome de minha escola; os momentos prazeroso de quando ensinei minhas sobrinhas a ler; as grandes e inesquecíveis amigas que fiz; o maior e grande amor que tive; os pais tão maravilhosos e abençoados que Deus me deu; e meu filho, a mola mestra do meu viver . Enfim... Minha memória foi buscando em cada canto de meu pensamento quão era triste morrer agora, logo agora....

Saí daquele parque com a alma purificada. Destroçada, de fato. Mas lavada também.

Porque, caros amigos, chorar faz bem!!!! Isso mesmo. Chorar faz bem!!! Mas, somente agora eu percebi isso... Como fui tão tola e orgulhosa achando que se eu não chorasse poderia assim, acabar com outros pequenos desapontamentos. Ao contrário! Chorar expurga a dor e tira de nós o peso que sentimos, a dor que o mundo quer esmagar sobre nós.

Voltei para minha casa. Coloquei o carro na garagem e fui recebida por Talita, minha querida e adorada cadela. Passei pelo o quarto de Vinícius, meu pequeno baby de 8 anos. O grande e amor de minha vida. Eu o contemplei de um jeito diferente, meu querido filhinho dormia tranquilamente... Eu, com minha velha preocupação de mãe, verifiquei se ele estava bem coberto. Fui até sua escrivaninha: todos os livrinhos desarrumados, as canetas coloridas estavam desajeitadas, havia um lindo avião desenhado...e eu contemplava aquele avião de uma forma totalmente diferente da que eu já tinha observado. Tudo agora, sendo o fim, tinha gosto de inicio.

Meus olhos continuaram naquela contemplação e em meus olhos , mais uma vez, tristes lágrimas caíram...borraram o desenho de meu amado filho.

Saí do quarto do meu príncipe. Meu celular, que permaneceu desligado durante aquele fim de tarde, eu resolvi ligar. Lá verifiquei duas mensagens: uma era da querida Ana Maria, secretária do lar e amiga que dizia ter me esperado bastante, mas como eu ainda não havia chegado e Vinícius já dormia, resolveu ir, pois, tinha aula na faculdade, assim, a babá eletrônica estava ligada para qualquer emergência. A outra mensagem era de um amigo muito querido, que eu havia conhecido, mas que pouco sabia de mim, muito pouco. Na mensagem, ele dizia que estava com saudades e me perguntou por que eu não havia mais ligado para ele, o que havia acontecido. ´´ conte comigo para qualquer coisa, amada minha`` era assim que a mensagem finalizava. Pensei que gostaria que aquilo fosse possível se cumprir e eu realmente pudesse contar com ele para qualquer coisa, mas, ali, bem ali, naquele momento, constatei que eu estava absolutamente sozinha. Absolutamente sozinha.

O que mais me doía era que até então eu não via as coisas como realmente são. Eu não enxergava quão grandioso e maravilhoso é o espetáculo da vida, eu não percebia que logo mais, eu deixaria o meu filho neste mundo grande, o meu pequenino Vinícius tão indefeso, tão inocente, meu lindo filhinho .... Que dor que senti no coração ao pensar nestas coisas...

Saí do quarto dele e caminhei até a cozinha. Tomei um grande copo com água. Pensei. Divaguei. Abstrai. Deduzi. Não consegui encontrar lógica para aquilo que me acontecia. Não encontrei um motivo que pudesse justificar minha retirada desta vida e, pior, naquele momento. Claro que todos esses pensamentos eram tentativas de brigar com Deus. De dizer que eu não tenho motivos para morrer e, mesmo assim, o tão glorioso e onipotente Deus resolvia qual uma equação matemática acabar com minha vida...

Eu, naquele momento, fiquei amarga...mas logo vi que se eu quisesse morrer de forma pior, então, que eu alimentasse pensamentos assim. Seria uma maneira fácil de acelerar o câncer.

Fui ao banho. Retirei aquela roupa que ainda ficava bela em mim. Lá estava eu, nua em frente àquele espelho que refletia um corpo ainda belo, com formas voluptuosas, com curvas tentadoras, mas chagado de feridas internas, chagado de uma infecção rápida e assustadora.

Vi meu reflexo. Desabei mais uma vez. Chorei bem mais do que no parque. Chorei. A minha alma às 23 horas sangrou. Enquanto a água lavava os meus cabelos eu via o ralo sugar os muitos fios que já caíam. Eu não poderia fugir. Eu estava em plena metamorfose.

Da vida à Morte.

Eu nunca tive medo da morte. Eu tinha medo da maneira de morrer, porque sempre pedi que quando eu fosse morrer que fosse de forma gradual, nada que estivesse relacionado a um acidente ou coisa parecida. Infelizmente, o grande e terrível Deus havia realizado meu pedido....

Deixei o celular na perfumaria da pia do banheiro e vi a luz que se acendia. Resolvi verificar. Era uma mensagem do meu querido amigo que tão pouco sabia de mim, mas de uma forma bem especial dizia ´´ estás aflita? Senti que tens se comportado de forma estranha...saudades...`` . Os meus olhos marejados com aquele carinho sorriram.

Resolvi, então, dividir um pouco da minha dor com aquele novo amigo...aquele que sabe tão pouco de mim...que não sabe o que de verdade tenho... e não saberá, pois resolvi admitir para mim mesma que morrerei da forma mais feliz que alguém morreu, assim, sempre converso com ele, sempre falamos coisas totalmente diferentes. Às vezes, tenho que interromper a conversa por que Vinícius, meu amado filhinho, chama-me.

Vou à faculdade duas vezes por semana. Faço tudo normalmente, ao menos tento. Prossigo meu tratamento paliativo. Ana Maria, que é praticamente uma segunda mãe para meu filho, sabe a gravidade da minha doença. Somente ela, boa mulher em quem confio cegamente. Pedi que, pelo fato de morar sozinha nesta cidade tão grande e distante de todos de minha família, que desse asas a Vinícius, digo isto porque já percebi uma grande habilidade na escrita do pequenino, também em seus desenhos e...em comer sanduiche(rsrs). Pedi que ela cuidasse dele para mim...

Agora mesmo, enquanto escrevia esta carta, meu amigo ligou. Disse-lhe que estava um pouquinho ocupada, mas logo mais retornaria.

Querido amigo, perdoe-me por dizer meias verdades a você é que quero que você fique com o melhor de mim...quero que fique com o melhor de nós e que tudo não seja apenas transcendente, mas transcendental...

Se amanhã viver, voltarei...

Eliane Vale
Enviado por Eliane Vale em 09/10/2012
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