Marina
Sob o sol de uma manhã de junho, brincava Marina, deitada, rolando sobre a grama verde. E as borboletas brincavam no seu rosto, fazendo-lhe cócegas. E ela ria...
Marina ria. Não com um riso comum. Quando ria, seu rosto se iluminava todo. E era tudo sorriso. Tudo ao seu redor sorria. As árvores sorriam, a grama sorria, o riachinho sorria, os pássaros sorriam, as nuvens, o céu azul, o sol e todo o universo. Porque o seu riso era o riso santo dos inocentes, o riso dos lábios que não dizem maldades, de um rosto que é o puro reflexo da divindade.
E Marina corria. Perseguia os patinhos à beira do riacho. Eu tinha medo. Medo de que os patos a atacassem. Mas os patos compreendem a sua linguagem. Interpretam a pureza de seu sorriso. Eles não a atacavam. Corriam dela, entravam na brincadeira. Eles pareciam rir também.
E eu fiquei ali, a observar Marina, sua brincadeira, como ela se divertia, como ela se confundia com a Natureza, e como ela a embelezava. Tudo era mais bonito porque ela estava ali. Seus cabelos longos, ondulados como a superfície das águas do riacho, seus olhos grandes, vivos e brilhantes, sua boca grande cheia de dentinhos bem miúdos e branquinhos, como as estrelas (sim, Marina, só Marina, fazia com que houvesse estrelas numa manhã iluminada de junho...), todo o seu ser adornava aquele lugar, emprestando-lhe um ar de santidade que só existia ali quando ela estava presente. E eu, homem velho, manchado com a maldade do mundo, não ousava me aproximar. Não me sentia digno daquele lugar. Assim, mantive-me como observador passivo, assistindo à distância aquele espetáculo criado pelas mãos de Deus.
Observei por cerca de duas horas. Ela parecia brincar sozinha. Mas não, ela não brincava sozinha. Brincava com as outras criaturas formadas pela mão de Deus, que lhe eram irmãs, igualmente santas. E parecia que todas as coisas a amavam assim como eu a amava. As águas límpidas do riacho sentiam imenso prazer em afagar seus pezinhos minúsculos e lhe aspergir gotas d'água nas perninhas delgadas como as de um passarinho. As pétalas das flores lhe cutucavam o nariz para lhe fazer espirrar, e depois pareciam rir-se. Os pássaros cantavam, como se tentassem harmonizar suas vozes ao seu canto magnífico. Sim, ela começou a cantar. E eu não resisti. Meus olhos choraram, como se as lágrimas fossem atraídas por aquela voz aguda e doce. Nunca nenhuma música me encantou daquela maneira... Nenhum coro, nenhuma orquestra, nenhum solista.
Mas daí a pouco ela já não parecia mais tão cheia de energia. Suas perninhas cambaleavam, suas pálpebras faziam força para não lhe cair sobre os olhões negros. E quando eu pensei que ela iria cair sobre a grama, ela foi-se aproximando de mim. Assustei-me. Queria fugir, por medo de maculá-la, mas não havia para onde fugir. Ela me imobilizou com seu olhar sonolento, me fazendo bocejar. Ao se colocar a uma distância de uns vinte centímetros de mim, ergueu a cabecinha, olhou-me mais nos olhos, e finalmente estendeu-me os bracinhos miúdos. Dei-me conta de que Deus me havia confiado o privilégio sagrado e divino de ser seu pai. Tomei-a nos braços, e ela adormeceu. E naquele momento nenhum homem deste mundo se sentiu mais feliz do que eu, por ter em meus braços uma das mais sublimes criações da mão divina.