Sede...

Encarar um fogão em um calor de quase quarenta graus não era o melhor dos programas, nem naquele dia e nem em dia nenhum . Mas navegar é preciso... E como. As sementes dessa vida nada são sem os olhos de quem cuida, de quem ama e lá foi a dona de casa rumo à cozinha em sua tarefa um tanto quanto quente a prover seus rebentos de alimento. Optou em fazer salgadinhos. Não foi uma boa escolha, não para um dia em que o asfalto derretia sem que dele tivessem piedade as nuvens.

Reunidos os ingredientes, a familia à espera, gatos e cachorro atentos, teve sua missão iniciada com um resmungar do tempo.

O céu azul revoltou-se de um momento para outro. O sol clamou pelas nuvens, clamou por um descanso, clamou em nome da sede. Num gesto de amizade, céus, nuvens e sol entraram em um acordo. Descansaria o sol dando passagem às àguas, pincelando o azul do céu em um tom mais cinza.

Agradecidas, dona de casa e massa agora já prontas e devidamente escaldadas pelo calor usufruiram da pequena queda de temperatura causada pela chuva.

Mas... Nem tudo nessa vida são flores, nem todas as mães colhem em suas mãos o fruto desejado de seu amor. Amor que planta, aduba e cuida. Colhem um outro fruto, um amargo, quase veneno, avesso do afeto ... Em meio ao recheio começaram as reclamações. Um estava com fome, exigia urgência, outro desejava outro lanche e assim por diante. O momento família tranformou-se em acusações sem sentido e reinvidicações que cheiravam a uma escravidão da infeliz mulher, cozinheira, dona de casa, enfermeira. Não, não era vista como mãe.

Como pesa a mão da ingratidão nesses momentos, como é amargo o sabor desse fruto.

Cansada, suada e revoltada. Guardou a pobre massa e o recheio ainda separados. Fechou os armários, geladeira, recolheu seus raios, seu calor, sua luz. Estava decidida a cuidar da propria sede. Num bocejo disse até breve e diferentemente do sol nunca mais voltou.