Truques do Dr. Bardou
Conheçam Marco Antônio, um sujeito tímido e estudioso que sofre de um mal muito comum na humanidade: estar apaixonado. Um homenzinho simples, de bom coração e óculos quadrados fazendo parte de sua face envergonhada. Sua face dominada pelas gotas de suor que, em conjunto com os batimentos acelerados de seu coração e o embrulho do estômago, exaltam o seu mais puro sentimento amoroso. Marco Antônio, que todos os dias observa sonhadoramente sua desejada amada, está prestes a fazer algo incomum para conseguir o que quer. Está prestes a entrar... Em Outra Realidade.
É a terceira vez aquela manhã na universidade e Rebeca parece ainda mais linda do que há três minutos. Com seu vestido florido de rosas vermelhas combinando com o meigo laço amarrado em seu cabelo sedoso, ela chama atenção por suas íris tão azuis quanto o céu e tão brilhantes quanto o sol. Por seu sorriso arrebatador e roubador de corações. Um sorriso que consegue surpreender Marco Antônio cada vez que surge, mesmo à distância. Ela agora encontra-se conversando com duas amigas enquanto nosso jovem apaixonado continua sentado no banco do pátio, com sua mochila no colo e os olhos apontados para o motivo de suas pernas tremerem tanto.
- Olhando para a Rebeca de novo? – Diz um amigo que acabara de chegar. Cabelo caído na testa e uma pequena espinha nascendo em seu queixo. Não usa óculos, mas possui certo ar nerd.
- Olha como ela está linda hoje, Diego.
- Você diz isso todos os dias. – Senta-se ao lado de Marco Antônio. – Ontem você disse a mesma coisa.
- O que posso fazer se ela é a garota mais linda desse mundo?
- É melhor esquecê-la.
- Você não a acha linda?
- Rebecca é uma deusa grega.
- E então, por que deveria desistir dela?
- Não tem nada a ver com a beleza. Na verdade, tem um pouco.
- Não entendo aonde pretende chegar.
- A Rebeca não é pro seu bico. Se liga, cara! Uma mulher como ela jamais olharia para nós. Ela só quer saber dos populares e dos atletas.
- Rebecca não é disso. Ela é diferente.
- Como pode saber se nem a conhece? Vocês nunca se falaram, ela nem sequer olha para você.
- Por que a observo todos os dias, é por isso que eu sei. É como se já a conhecesse há anos.
- Isso não basta. Você não sabe como ela realmente é ou...
- Ela gosta de comer o sanduíche de peito de frango da cantina. Mas só nas terças, que é quando colocam rodelas de tomate, o que ela adora. Nos outros dias ela prefere trazer quatro barras de cereal e tomar uma vitamina de banana com aveia. Adora usar vestidos longos e floridos, talvez seja por que adora flores. Provavelmente pratica jardinagem nos tempos livres e motiva-se a isso cada vez que lê a revista Meu Jardim, que ela compra toda sexta na banca.
- Você está me preocupando.
- Por quê?
- Ainda pergunta? Isso está virando obsessão, olhe para você. Naquele dia você até a seguiu para saber onde morava.
- Isso é o amor, Diego. É o amor. – Seus olhos seguem Rebeca quando ela afasta-se de suas amigas para conversar um rapaz. – O que ela está fazendo?
- Indo conversar com o queridinho dela, provavelmente.
- Isso está errado. Muito errado. Por que ela perde tempo com esses musculosos descerebrados enquanto existe um autêntico apaixonado bem perto dela?
- Foi o que eu lhe disse. Ela não quer saber de garotos inteligentes e cheios de amor para dar, só quer os atletas e populares.
- Isso não é justo, Diego.
- E desde quando o amor é justo, Marco?
- Vou fazê-la me amar.
- O quê? Como assim?
- Vou fazer a Rebeca se apaixonar por mim.
- Mas como?
- Pensarei em algo.
Marco Antônio sai mais tarde da universidade outra vez. Sua faculdade de Informática & Tecnologia já o acostumou a chegar depois da hora em casa por ficar lendo livros de programação na biblioteca ou acessando sites sobre o mundo digital e suas maravilhas científicas. Mas dessa vez, em especial, sua pesquisa foi bem diferente do usual. Algo mais parecido com como conquistar a garota dos seus sonhos ou o que fazer para ser notado por quem se ama. Depois de algumas horas em frente ao computador, tentando encontrar algo que finalmente pudesse ser chamado de resposta, sua desistência calou a persistência. E lá estava Marco Antônio, às onze e meia da noite, voltando para casa com uma expressão desanimadora no rosto cansado. Tão distraído, pensando no, cada vez mais distante, sorriso de Rebeca, que pega outro caminho. Mais um detalhe diferente do comum em seu dia.
E é nesse caminho que ele enxerga a luz. Não a luz do fim do túnel, mas a de uma loja aberta. Uma fachada um tanto rústica, com balangandãs pendendo de um telhadinho sobre a entrada. Há carrancas ao lado da porta e alguns pequenos vasos com ervas brotando. Acima do telhadinho há uma placa de madeira indicando o nome da loja: Truques do Dr. Bardou. Marco Antônio acaba de perceber que não pegou o caminho convencional. Jamais havia reparado naquela loja antes. Aproxima-se da porta e, curioso, gira a maçaneta e entra, tocando o sininho pendurado pelo outro lado. Lá dentro o ambiente é ainda mais místico que o lado de fora. É como uma casa idealizada por um pensamento hippie. Tudo é muito anos 60, cheio de energia positiva e objetos considerados mágicos por diversas culturas. Cristais, pentagramas, imagens de orixás, pés de coelho, figas, ferraduras, galhos de arruda, trevos de quatro folhas, vidros de poções, livros de magia e o que mais puder imaginar.
- Seja bem-vindo, adorável visitante. – O balconista levanta-se de sua cadeira de balanço assim que a porta se fecha. Um quarentão, de roupa engraçada, no melhor estilo Willy Wonka. Uma cartola preta, terno vermelho combinando com a calça e uma bengala também preta. – No que posso ajudá-lo?
- Você é o Dr. Bardou?
- Não, meu jovem. Dr. Bardou era o meu bisavô. Dr. François Charles Bardou.
- Ele era francês?
- Descendente apenas. Mas seus antepassados? Todos franceses, certamente.
- E foi ele quem abriu esta loja?
- Correto. Esta é uma loja muito antiga, pode-se dizer. Encontra-se na minha família há anos. Meu bisavô sempre gostou do desconhecido, do sobrenatural e de objetos considerados místicos. Pegou todos os seus interesses, juntou com sua sabedoria e criou a Truques do Dr. Bardou. Um lugar onde o irreal torna-se real, onde as crenças populares deixam de ser apenas crenças, onde a ciência mostra seu lado mais oculto. Toda sua coleção de coisas estranhas, sagradas e bizarras está reunida aqui. Ele a chamava de seus pequenos truques, por isso o nome. Obviamente, com o passar do tempo e das gerações, mais coisas foram surgindo. A loja passou para meu avô, depois meu pai e aqui estou. Porém, creio que não tenha vindo até esta humilde loja apenas para ouvir histórias sobre minha linhagem, estou certo?
- Não, sim, eu... Na verdade estava apenas passando e vi a loja aberta. Achei diferente e resolvi entrar para ver como era.
- Espero que não tenha se arrependido.
- De forma alguma, senhor...
- Ah! Que indelicadeza de minha parte. Meu nome é August. August Bardou, filho de Jaque Bardou. – Faz uma reverência e tira sua cartola.
- Eu sou o Marco Antônio.
- É um prazer conhecê-lo, Marco Antônio. – Coloca novamente sua cartola. – Gostaria de conhecer alguns de meus produtos?
- Não, eu... eu só queria ver a loja. Muito obrigado.
- Tem certeza?
- Tenho, não há nada do que eu precise no momento e... – Sua mente trabalha mais rápido agora. Será que deve tentar? Pelo sim e pelo talvez, por que não? – Você, por acaso, tem alguma coisa que... É algo que... Olha, eu preciso... Esqueça, isso é absurdo demais.
- Nada é absurdo na Truques do Dr. Bardou. Conte-me o que precisa.
- Acontece que estou apaixonado por uma garota lá da universidade. É Rebeca o nome dela. Faz faculdade de Nutrição e é simplesmente a garota mais linda da face da Terra.
- Pelo brilho de seus olhos e a sinceridade em suas palavras, não há dúvidas.
- O problema é que ela nem deve saber que eu existo. Todos os dias, há três anos, a observo de longe sem que ela perceba e desejando, do fundo de minha alma, que esteja comigo.
- E por que não revela a ela seus sentimentos?
- Por que sou um covarde. Não quero imaginar o fora que posso levar dela. Sei que a Rebeca é diferente das outras, mas nada me encoraja a fazer uma declaração correndo o risco de fazer papel de palhaço.
- Não será necessário dizer mais nada. Já sei do que precisa. – August aproxima-se da prateleira de poções e de lá pega um recipiente quadrado de vidro fosco. – Aqui nesse frasco há uma substância líquida chamada feromona.
- O que é isso?
- É uma essência exalada por nosso corpo quando estamos apaixonados. A principal responsável pela atração. Quando é identificada por outro sexo da mesma espécie, a feromona entra em ação e permite que o sentimento seja correspondido. Toda feromona que tenho aqui foi extraída de golfinhos durante a época de acasalamento.
- Mas não quero namorar um golfinho.
- Não se preocupe, Marco Antônio. A feromona é a mesma em todas as espécies. O que muda é sua intensidade. Nos animais ela fica até cem vezes mais forte. Ou seja: não tem erro.
- Então está querendo dizer que a feromona que eu exalo não é forte?
- Não é forte o bastante para que a Rebeca possa sentir. Talvez outra.
- Não quero outra.
- Pois bem. Isso não vem ao caso. O que pretendo deixar bem claro é: esse frasco que tenho em minhas mãos é a solução dos seus problemas amorosos.
- Terei que beber isso?
- De forma alguma. Isso, na verdade, é um perfume. A feromona não pode ser ingerida, ela apenas deve ser exalada por seu corpo.
- Mas será que, com isso, eu não vou sair por aí conquistando todo mundo?
- O seu coração sabe quem você realmente quer. A feromona varia de acordo com seu próprio sentimento.
- Eu quero. Com certeza quero isso.
- Lhe custará apenas R$127, 50.
- Isso tudo?
- É um ótimo preço considerando seus resultados. Poderá gastar muito mais tentando convencê-la a lhe amar da mesma forma que a ama.
- Ok, eu compro. Mas não estou com o dinheiro aqui.
- Não há problema algum. Basta trazer amanhã que eu lhe entrego com o maior prazer.
- Só amanhã?
- O que é mais um dia para quem esperou três anos?
- Tem razão. Amanhã mesmo eu volto aqui com o dinheiro.
- Negócio fechado. A loja está aberta às sete da manhã.
- Passarei aqui no caminho para a universidade.
E assim ele o faz. Às 07h10min Marco Antônio volta à loja, não apenas com o dinheiro, mas com a perspectiva de um novo mundo cheio de esperanças.
- Aqui está o dinheiro. – Entregando para August. – Estava juntando para comprar um novo vídeo game, mas isso é mais importante.
- Vejo que é um garoto muito inteligente. Conhece suas prioridades.
- E bota prioridade nisso.
- O dinheiro está correto. Tome o seu perfume. – E lhe entrega uma bonita sacola média de papelão. Dentro há uma caixa branca, também de papelão. – Obrigado por comprar na Truques do Dr. Bardou. Volte sempre.
- Se isso realmente funcionar, com certeza voltarei.
- É de certo que funcione, meu jovem. Quanto a isso não há preocupações.
- Espero mesmo. Muito obrigado pela ajuda. – Marco dirige-se à porta, quando August o chama.
- Só mais uma coisa.
- O que é?
- Quando estiver se perfumando, imagine o rosto da Rebeca. Quanto mais se concentrar na pessoa, mas eficiente será o resultado.
- Mas o que tem a ver o perfume com a imagem em minha cabeça?
- Aprenda uma coisa, meu jovem: em qualquer receita da ciência há uma pitada de mistério. Apenas faça o que lhe digo e não tem como dar errado.
Marco Antônio não espera nem ao menos dar cinco passos ao sair da loja. No terceiro ele já tira a caixa da sacola e corre para um beco próximo. A caixa é aberta e sua esperança é renovada, sua perspectiva de um novo mundo cresce enquanto seus olhos fitam o frasco de perfume em suas mãos. Ele gira a tampa do vidro, fecha os olhos e imagina. Ali está ela. Rebeca. Com seu vestido longo e florido fazendo movimentos de vai-e-vem enquanto ela caminha pelo corredor da universidade. Seu iluminado olhar atento nas páginas da revista Meu Jardim. A cada folheada, um sorriso. Ali está Rebeca, linda como sempre. O frescor do perfume toca seu corpo e já sente-se mais confiante agora. A imagem de sua amada torna-se mais intensa a cada spray em sua direção. Seus olhos se abrem e Marco Antônio sabe que está na hora de agir.
Ele está no pátio da universidade, mais ansioso do que nunca. Sua confiança, aos poucos, foi dando espaço para o medo mais uma vez. Começa a imaginar que tudo isso seja uma loucura, uma idéia sem cabimento de um homem desesperado pelo amor de uma mulher. Isso não vai dar certo, não pode. A história toda não faz sentido, é apenas um maldito perfume. Sua desistência está novamente falando mais alto quando, trajando desta vez um vestido branco com apenas uma rosa desenhada na bainha, Rebeca surge. O cabelo agora solto, mostrando que ela podia ser ainda mais linda do que de costume. Batimentos acelerados e insanos voltam ao coração de Marco Antônio. Não é hora de desistir, vale a pena arriscar. Ele apenas torce que Rebeca possa sentir sua feromona de longe.
- Olha. – Murmura. – Olha para mim.
E é como em um passe de mágica. Rebeca olha para Marco Antônio e sorri. Ele não sabe o que fazer, toda sua lista de reações foi completamente deletada de sua mente. Devolver o sorriso? Acenar? Os dois? Os dois. Como um robô, ele acena e sorri timidamente. O coração parece subir pela garganta quando ela começa a caminhar em sua direção. A cada passo suas gotículas de suor vão aumentando e um infarto parece ser inevitável. Está chegando mais perto, nem pense em correr. Movimentos involuntários de sua perna praticamente obrigando-o a fugir na direção contrária. Mas, dessa vez, a persistência cala a desistência. Não faria sentido algum correr agora que ele finalmente conseguiu o que quer: a atenção de Rebeca.
- Oi.
- O... Olá. – A voz quase não sai.
- Você deve estar se perguntando por que estou aqui, não é?
- Na verdade, sim.
- Para ser sincera, nem eu sei. Acho que simplesmente resolvi tomar coragem e vir aqui falar com você.
- Isso é... é ótimo. – Tenta disfarçar suas mãos trêmulas.
- Talvez você não saiba quem eu sou, mas sei que você é o Marco Antônio.
- Seu nome é Rebeca.
- Que legal! Então você já ouviu falar de mim?
- Digamos que... que sim.
- Eu não sei como lhe dizer isso, mas... Eu ando lhe observando há um tempo. Quando não está olhando eu olho para você e sempre tento disfarçar quando percebo sua cabeça se movendo.
- Eu... eu não sabia.
- Imaginei que não. Sei que é estranho eu aparecer assim de repente, mas não quero perder mais tempo. Sempre lhe achei muito interessante e gostaria de saber se a gente pode se conhecer melhor. Não quero que pense que sou uma atrevida que...
- Não, muito pelo contrário. – Ele mal consegue acreditar no que está ouvindo. Rebeca, ali na sua frente, dizendo que gostaria de conhecê-lo melhor. Jamais imaginou que pudesse pensar nisso, mas o perfume de feromona realmente funciona.
- E então, a gente pode sair um dia desses?
- Mas é claro que... – O que houve? A chance está ali logo adiante e Marco Antônio parece querer amarelar.
No que estava pensando, afinal? Usar o sentimento de Rebeca a seu favor? Por mais que este seja seu desejo mais profundo, não pode ser feliz com um sentimento falso, artificial. Sua consciência começa a pesar agora que entendeu a situação em que se metera. Está apenas abusando psicologicamente de uma garota para conseguir o que quer. Nada daquilo é real e ele sabe disso. As coisas pareciam mais simples quando tudo que ele tinha era a esperança de, um dia, poder falar com ela. E agora que isso tornou-se possível, deseja nunca ter entrado naquela loja e feito o que fez. Isso é maldade, beirando a insanidade.
- Não. – Ele diz.
- O quê?
- Sinto muito, mas não. Eu não... não sinto o mesmo por você. Podemos ser apenas amigos.
- Você não...
- É, eu não quero. Espero que não fique triste, mas eu não quero.
- Ok. Sem... sem problemas. – E com essas palavras ela afasta-se, cabisbaixa.
- Sinto muito, Rebeca. Sinto muito. – Foi a coisa mais difícil que ele já fez em toda sua vida.
Nesse dia Marco Antônio entra chorando em casa, subindo direto para o quarto e trancando-se. Nos dias que se seguem as coisas não são muito diferentes. Não consegue parar de pensar no que havia feito. Foi uma decisão correta? Claro que foi. Rebeca não merecia ser escrava de um sentimento desonesto. Ela deve se apaixonar e viver sua vida com um homem que realmente a mereça.
Uma semana se passa e o perfume agora nada mais é do que um enfeite para seu criado-mudo. Toda a feromona ainda está lá, intacta. Marco Antônio só utilizou uma vez e ignorou as consequências. Acaba de lembrar que está devendo uma visita a August. Disse que voltaria a Truques do Dr. Bardou se o perfume funcionasse e, até onde ele saiba, funcionou. Precisa agradecê-lo pela imensa ajuda e contar o que houve. Contar sobre a decisão que tomou. Ele se arruma e sai de casa esperando encontrar a loja aberta no sábado.
Está aberta. Lá estão os balangandãs, as carrancas e as ervas do lado de fora. Mas há algo mais fazendo parte do cenário. Dois carros da polícia estacionados logo em frente. Isso deixa Marco confuso. Ele entra e depara-se com August sendo algemado e levado por um policial, enquanto outros três apreendem os estranhos objetos do local.
- O que está acontecendo aqui? – Marco Antônio pergunta.
- Estamos levando esse pilantra para o xadrez. – Diz um dos policiais.
- Mas o que ele fez?
- Enganou várias pessoas para ganhar dinheiro fácil. Vinha com um papinho sobre ser descendente de franceses e sobre a loja estar na sua família a gerações. Ele abusava das crenças das pessoas para faturar, mas tudo não passava de uma farsa.
- Quer dizer que... tudo que ele vendia aqui era falso?
- Exato. Apenas atraía os clientes com símbolos de diversas culturas e religiões, mas só vendia produtos falsos. Vivia se mudando para conseguir novas vítimas.
- Ele... ele... – Marco abaixa a cabeça.
- Ele lhe enganou, não foi?
- Estava voltando aqui para falar sobre o perfume que ele me vendeu. – Volta a olhar para o policial.
- O tal perfume de feromona?
- Isso.
- Esse golpe já é velho. Sinto muito que tenha passado por isso, mas ele apenas lhe vendeu um perfume como outro qualquer.
- Mas... mas... parecia tão real.
- Ele é convincente, não é? Todo golpista é persuasivo. Faz você acreditar em coisas que antes consideraria tolices.
- Como pude confiar nas palavras de um estranho, dono de uma loja ainda mais estranha? Como pude cair na lábia de um criminoso que só queria se dar bem?
- Não se castigue dessa forma. Você não foi o único. Mas, se lhe serve de consolo, conseguimos finalmente encontrá-lo e hoje a justiça foi feita.
- Não serve.
- Espero que fique bem. Agora, se não se importa, precisamos continuar trabalhando.
- Entendo. – Ele sai ainda atordoado com tanta informação. Os policiais continuam recolhendo os objetos da loja.
Do lado de fora, August o olha da janela do carro e sorri. Isso faz uma raiva invadir o corpo de Marco, que controla-se para não fazer alguma besteira. Ele fica ali até toda a mercadoria ser apreendida e o golpista ser levado pela polícia. Queria ver o rosto dele enquanto sua vida se aproximava da prisão. Queria sentir o gosto de saber que August estava sendo punido pela justiça.
Quando toda a movimentação acaba, Marco volta para casa e, as lágrimas de antes, dão lugar ao extremo ódio percorrendo por suas veias. Preferia nunca ter encontrado aquela loja. Seria melhor viver sem o amor de Rebeca do que saber que foi enganado tentando conquistá-lo. Ele deita na cama e olha para o ventilador de teto girando preguiçosamente sobre sua cabeça. Algo lhe ocorre repentinamente e Marco levanta-se.
- Se o perfume era falso, então... a Rebeca estava sendo sincera? – Dá um salto para fora da cama e desce as escadas correndo.
Finalmente algo de bom pôde ser tirado dessa história. Se todos aqueles produtos eram apenas enganação, é bem provável que Rebeca estava dizendo a verdade. Marco Antônio dispara para fora de casa enquanto sua mãe prepara um lanche na cozinha. Bendito seja o dia em que seguiu Rebeca até sua casa. Graças a isso ele pode ir direto ao nervo central para resolver a situação.
Chegando ao local, uma casa simples e bonita, de aparência aconchegante e convidativa, Marco toca o interfone.
- Quem é? – Pergunta a voz do outro lado.
- Meu nome é Marco Antônio. Sou amigo da Rebeca.
Mas nada é dito. A porta da casa se abre e de lá sai um senhor aparentando uns cinquenta anos. Ele aproxima-se do portão branco da casa e olha para Marco.
- Então você é o Marco Antônio.
- O senhor me conhece?
- Minha filha falava muito de você.
- É sério?
- Sim. Mas da última vez ela não estava nada bem.
- Imagino.
- Entre. Vamos conversar.
Os dois entram na casa, que é ainda mais aconchegante em seu interior. O pai de Rebeca aponta para o sofá, indicando que Marco poderia sentar-se. Ele obedece.
- Quer beber alguma coisa?
- Não, obrigado.
- Meu nome é Roberto.
- Muito prazer.
- Saiba que, por sua causa, minha filha chegou arrasada aqui em casa na semana passada.
- Gostaria que me contasse um pouco mais sobre como ela estava nesse dia.
- Ela vivia falando sobre você. Dizia que era um garoto muito interessante e parecia ser muito inteligente. Ficava lhe observando e adorava seu jeito de ser. Não tinha coragem de lhe confessar e guardou isso por três anos.
- Três anos?
- Isso mesmo. Ela jurava que você jamais olharia para ela e achou que seria perda de tempo. Infelizmente, minha esposa faleceu cinco anos atrás e, desde então, uma presença materna fez falta aqui em casa. Eu nunca fui muito bom em dar conselhos amorosos e isso foi tornando a Rebeca uma garota insegura. Mas ela sempre foi muito doce e gentil.
- Três anos é exatamente o tempo em que venho guardando o sentimento por sua filha.
- E então porque fez aquilo com ela?
- É uma longa história.
- Ela chegou chorando, dizendo que nunca deveria ter lhe confessado o que sentia. Que teria sido melhor deixar em segredo.
- E por que ela só criou coragem agora? Onde ela está? Quero falar com ela.
- Só criou coragem agora por que semana passada descobriu que possuía uma... uma doença rara no sangue.
- Como é?
- Uma doença sem cura. Uma doença terminal. – Roberto começa a chorar nessa hora. – Os médicos disseram que ela poderia morrer a qualquer momento. Ela queria poder lhe contar toda a verdade antes que fosse tarde demais. Quando ela... Quando ela chegou aqui daquele jeito, meu coração se despedaçou porque eu sabia o quanto ela estava triste e decepcionada. E sabia que nada poderia trazê-la de volta quando a hora chegasse.
- Eu disse que não queria. – Marco murmura. – O perfume. Achei que fosse o perfume.
- O quê? Do que está falando?
- Senhor Roberto, eu... Eu lhe devo mil desculpas. – Marco Antônio também começa a chorar. - Não queria que fosse assim.
- Suas desculpas não trarão Rebeca de volta. Ela se foi, achando que seu sentimento não era correspondido. Tudo que ela queria era uma última chance.
- E eu também. – Chorando intensamente. – E eu também.
Marco Antônio, um homenzinho simples e de bom coração, enganado duas vezes. Alvo da maldade humana e das armadilhas do destino. Um homem atingido pelos truques do Dr. Bardou que não percebeu os truques de sua própria sina. Um homem, vítima de um amor que pensava ser não correspondido. Vítima da vida, vítima do acaso, vítima de falsas esperanças. Marco Antônio, um jovem eternamente apaixonado, que hoje chora... Em Outra Realidade.