Lembranças
É difícil ver. É difícil enxergar alguma coisa além das árvores robustas e frondosas que me cercam. Suas copas são tão imensas que parecem cobrir até mesmo o céu à minha cabeça e olhá-las me dá vertigem. O vento que sopra é quente e faz as folhas emitirem um farfalhar constante. Mas o chão abaixo de mim é úmido e lamacento, fazendo com que arrepios percorram-me o corpo.
Não faço ideia de que horas são, mas sei que permaneci um longo tempo aqui, deitada. Estou sem forças para levantar e sinto-me tão frágil e debilitada que chega a dar-me vontade de chorar. Parece que não sobrou mais nada a não ser uma frágil e fina casca. Há a dor. Mas já estou tão acostumada com ela, tão intimamente ligada a ela... tornou-se uma parte de mim como qualquer outra.
Inspiro e expiro lufadas regulares de ar. Concentro-me em minha respiração, como se esse fosse um ato difícil de realizar. Mexo, um a um, os membros retesados. As cigarras já iniciaram sua cantoria noturna, de modo que esse se faz o único som presente ao meu redor. É quase... melódico. Não sei se enlouqueço, mas o acho bonito. Talvez porque assim não me sinto tão terrivelmente sozinha, como tenho ficado desde aquele dia.
Preciso lembrar dela todos os dias, quero gravá-la na minha memória para jamais esquecer suas feições, seu sorriso sincero, seus olhos reluzentes. As lembranças não são um fardo, algo pelo qual sou atormentada. São o que tenho de mais valioso. Matar-me significa matá-la novamente, mas dessa vez para sempre. E quero que as pessoas saibam o quão maravilhosa ela foi, quero contar-lhes seus anseios e sonhos, quero pensar se pude realizar alguns deles.
Seu corpo pode não mais caminhar por essas ruas e florestas, mas posso pensar que parte de sua alma continuará viva dentro de cada pessoa com quem falei. E, novamente, não desistirei dessas lembranças. Elas são tudo.