Lembranças

É difícil ver. É difícil enxergar alguma coisa além das árvores robustas e frondosas que me cercam. Suas copas são tão imensas que parecem cobrir até mesmo o céu à minha cabeça e olhá-las me dá vertigem. O vento que sopra é quente e faz as folhas emitirem um farfalhar constante. Mas o chão abaixo de mim é úmido e lamacento, fazendo com que arrepios percorram-me o corpo.

Não faço ideia de que horas são, mas sei que permaneci um longo tempo aqui, deitada. Estou sem forças para levantar e sinto-me tão frágil e debilitada que chega a dar-me vontade de chorar. Parece que não sobrou mais nada a não ser uma frágil e fina casca. Há a dor. Mas já estou tão acostumada com ela, tão intimamente ligada a ela... tornou-se uma parte de mim como qualquer outra.

Inspiro e expiro lufadas regulares de ar. Concentro-me em minha respiração, como se esse fosse um ato difícil de realizar. Mexo, um a um, os membros retesados. As cigarras já iniciaram sua cantoria noturna, de modo que esse se faz o único som presente ao meu redor. É quase... melódico. Não sei se enlouqueço, mas o acho bonito. Talvez porque assim não me sinto tão terrivelmente sozinha, como tenho ficado desde aquele dia.

Preciso lembrar dela todos os dias, quero gravá-la na minha memória para jamais esquecer suas feições, seu sorriso sincero, seus olhos reluzentes. As lembranças não são um fardo, algo pelo qual sou atormentada. São o que tenho de mais valioso. Matar-me significa matá-la novamente, mas dessa vez para sempre. E quero que as pessoas saibam o quão maravilhosa ela foi, quero contar-lhes seus anseios e sonhos, quero pensar se pude realizar alguns deles.

Seu corpo pode não mais caminhar por essas ruas e florestas, mas posso pensar que parte de sua alma continuará viva dentro de cada pessoa com quem falei. E, novamente, não desistirei dessas lembranças. Elas são tudo.

Luiza Venturini
Enviado por Luiza Venturini em 01/10/2012
Reeditado em 05/06/2015
Código do texto: T3910630
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