Manhãs de Junho
Havia um livrinho de poemas sobre um banco na estação.
Ao me aproximar, olhei em todas as direções a fim de ver se encontraria o dono daquele objeto que tanto me intrigara... Não havia ninguém ali. Sentei-me, peguei o livro ainda bastante desconfiado como se houvesse encontrado dinheiro, e li o primeiro poema. Era um soneto.
O trem chegou. Embarquei levando o livrinho comigo, bem seguro no bolso do meu casaco. Fazia frio. Era uma daquelas manhãs chorosas de junho. O vento frio que soprava furioso na estação regelava a ponta do meu nariz e de minhas orelhas. Mas era bom. Fazia-me querer dormir.
Escolhi um lugar em que não houvesse ninguém por perto. Não sei por quê, mas não gosto de pessoas. Quando elas falam conosco, atrapalham nossos pensamentos. E eu nunca fui bom em falar com pessoas. Sempre falei melhor comigo mesmo.
Li mais um poema, e mais outro, e outro. Li até não querer mais ler. Então eu quis viver poesia, ver a poesia nas coisas. Vi o céu pela janela do trem. Um céu triste de manhã de junho, mas belo. E que começava a se alegrar, recusando-se a me acompanhar em minha tristeza. O sol saía do meio das nuvens.
***
Lino de Sousa só gostava de conversar com seu amigo, seu melhor amigo, André. Lino gostava de André porque não era como ele. André era alegre, gostava de rir, gostava de viver e não gostava de poesia. E enquanto Lino estava com André ele se sentia feliz como ele.
Lino encontrou seu amigo assim que chegou à faculdade. Ele nunca tinha nada para dizer, no entanto não sentia necessidade de ter o que dizer, pois André falava, e ele ouvia, e ria. Riam de coisas que não tinham a menor importância. E Lino se esquecia de tudo que não estava presente naquele quadro, naquele instante.
Mas naquela manhã, André foi embora antes do que costumava. E Lino ficou só. Não foi para casa, ficou sentado no jardim a ler o livro e a ouvir o som da voz dos pássaros, como alguém que conhecera muitos anos antes o ensinara a fazer. Ninguém nunca para para ouvir os pássaros. Mas Lino aprendeu a fazê-lo, e sua vida foi diferente por causa disso.
***
Quando chegou a tarde não havia ninguém. Nenhum amigo, nenhuma moça de cabelos crespos e pele morena a lhe sorrir, ninguém. E ele andou pelo jardim, e pela rua, sem reconhecer os rostos. E eu, sentado num ponto de ônibus, via somente as folhas secas das árvores caídas pelo meio da estrada. e pétalas de flores de várias cores que já perdiam sua seiva. E uma borboleta, só uma, sentou-se ao meu lado e disse-me um verso. E depois voou.
O ônibus chegou. Mostrei meu cartão vermelho ao motorista, o consolo que me foi dado depois que me impediram de dirigir. Consideraram-me doente, e dirigir é um privilégio apenas concedido aos sãos. Ainda bem. Fiz uma viagem turbulenta e confusa até o meu bairro, que passou de modo ligeiro pela parte mais confusa da minha juventude, onde eu pude ver e entender como cheguei aonde estou.
Desci do ônibus e vi uma multidão de pessoas em redor de dois carros unidos um ao outro, um rapaz e uma mulher mortos. Suas pernas o carregaram através das pessoas até que ele finalmente pôde ver o rosto dos dois cadáveres. Em um havia a imagem de seu cunhado jovem e insensato, e no outro, Lucrécia, que fora sua mulher. Lucrécia, a mulher que ficara dormindo quando se levantou, vestiu suas roupas, seu casaco, tomou seu leite quente, comeu seu pedaço de pão com queijo frio, e saiu.
Lembrou-se de que Lucrécia lhe dissera que iria embora para sempre. E que seu irmão viria buscá-la. Deixou os dois mortos no lugar em que estavam e foi-se para sua casa. Não havia mais Elisa, sua filha débil de olhos distantes que passava as tardes parada em frente ao portão da rua a olhar os carros que passavam. Apagara-a de sua memória, como se nunca houvesse existido. Pois nele, ela de fato jamais existiu.
***
Hoje eu vivo sozinho em meu quarto escuro, sem Lucrécia. Nunca mais voltei a ver meu amigo André. Ele desapareceu de minha vida. Muitas vezes tentei recordar seu semblante, mas é como se eu nunca o houvesse visto. Não há nenhum vestígio dele. Nenhum número de telefone, nenhum bilhete, nenhum endereço. Não sei nada sobre ele.
Às vezes meu irmão Fernando vem me ver. Diz coisas sem sentido sobre Lucrécia, que ela vive com seus pais na cidade, que nunca sofreu acidente, e que cuida de uma filha que eu nunca tive e que jamais existiu.
E continuou Lino a frequentar, todas as manhãs, o jardim da faculdade onde estudara cinco anos atrás, à espera de seu amigo que lhe prometera ler o manuscrito de um pequeno romance que escreveu quando ainda era estudante.
E hoje de manhã, ao chegar à estação, deixei o livrinho exatamente onde eu o encontrara um ano atrás, e embarquei no trem.