Conto - Tarde de neblina
Aquele foi um dia que amanheceu mais calmo. Falo assim por que geralmente o amanhecer naquele local era turbulento. Era o barulho de muitas pessoas conversando passando na rua, toques de carro, buzina de bicicleta, motor de caminhão etc. Ainda deitada na minha cama, de camisola, eu apenas ouvia e discernia que tipo de barulho que estava sendo aquele ou este, eu não via , mas sabia.Falo que é turbulento apenas que é o que sinto. Não gosto de barulho que venha ferir os meus ouvidos. Para mim, acordar ao som de uma doce melodia ou ao cantar com o trinado suave de um belo pássaro é bem melhor. Mas eu morava naquele bairro, justamente naquela casa, onde as ruas se cruzavam, e não tinha como evitar de ouvir os ruídos desiguais vindos do cruzamento. Ainda de camisola, dou uma esticada no corpo, escovo os cabelos que estavam de tamanho médio, cabelos recém pintados de loiro, ainda cheirando a tinta e creme. Abro um pouco a janela, afasto a cortina que me separa do mundo lá fora e dou uma espiadinha. Tudo na mesma.os transeuntes passam pela rua indiferentes, alguns até criam coragem e olham para a minha cara zangada, parece que sabem do meu pavor a barulho. Na realidade é fobia. Uns ainda olham diretamente nos meus olhos como se quisessem me dizer: _ Acorda logo e vá trabalhar.Entendo muito bem os olhares. Dou uma risadinha entre os dentes, fecho a cortina cor de palha, e tranco a janela. Está frio lá fora. Vi pela densa nuvem que viajava de mansinho no céu cinzento, apenas um pedacinho do céu que deu para eu ver. O sol havia dias que não dava o seu alô...estou aparecendo. Tiro a camisola rapidamente, prendo os cabelos num rabo de cavalo, coloco a touca plástica e corro para o banheiro. Ainda bem que o meu chuveiro é quente,mas tem banheira também. A água gostosa e relaxante desliza sobre o meu corpo , e sem conseguir evitar, penso nos dias que meu marido e eu ainda éramos apaixonados. Vivemos uma louca paixão. Mas há anos ele falecera num acidente e eu ainda não quis que aparecesse outra pessoa na minha vida. Depois do banho, deslizo a toalha vermelha no meu corpo, já meio flácido por causa da idade, mas que ainda tremia ao toque das minhas próprias mãos. Senti um frio na espinha e um tremor correr todo o meu corpo. Depois de colocar uma calça de malha escura, cinza, tipo moletom, e uma blusa fechada de gola alta,azul marinho, bem justa ao corpo, modelando as minhas formas , que já foram esculturais, mas ainda agradeço por estar inteira, fui a cozinha . Fiz um lanche reforçado, resolvi dar uma voltinha no centro da cidade. Mesmo com aquele frio resolvi sair de casa. Apanhei minha bolsa com algum dinheiro dentro, documentos,papel e caneta e resolvi sair antes que o abatimento viesse e mais uma vez ficasse trancada em casa.Não tinha nada mesmo para fazer, já estava aposentada, queria curtir um pouquinho num dia frio e inquieto. Era como se eu quisesse ler as pessoas, olhar para o rosto delas e tentar adivinhar o que passava na mente de cada um.Peguei o primeiro ônibus e logo estava no centro da cidade. Desci e comecei a caminhar sem saber para onde iria. Passei por umas duas avenidas, lotadas de gente que subiam e desciam dos busões, vi pessoas descendo apressadas do metrô e fiquei pensando: -coisa chata esse negócio de metrô. Nunca gostei, prefiro andar de ônibus. As pessoas parecem mais estressadas ainda. O festival de cores das roupas das pessoas que passavam por mim, não correspondiam em nada do que transpareciam em suas faces. Só dava pra sentir a infelicidade,a tristeza, a preocupação,a frieza das pessoas que eu encontrava. Tentava descobrir o pensamento de cada uma , mas mesmo assim não conseguia. Os automóveis que passavam, fazendo com que o trânsito fluísse coordenadamente,às vezes me assustava. A pressa dos pedestres era incrível. Um corre corre, gente que aparece, gente que some no meio da multidão, pessoas que nem olham pra você. Então percebi o que está acontecendo com o mundo. As pessoas estão solitárias, vazias, sem conceitos, sem palavras para com ninguém. E foi neste momento que percebi a neblina. Acho que já estava neblinando há um bom tempo, mas eu estava tão absorta em meus próprios pensamentos e devaneios , que não percebi. Só quando senti uma gota de água bem geladinha descendo pelo meu rosto e despencando na gola cachecolada da minha blusa é que prestei atenção no tempo. Uma densa neblina, fria, intensa, cortante, constante, fazia com que as pessoas se atropelassem mais depressa umas nas outras. Resolvi apressar o passo, mudei a direção para o lado de um antigo cinema, onde parei para esperar a neblina cessar. Encostada numa marquise como abrigo para não molhar mais meus cabelos, esperei pacientemente, enquanto observava aquela tarde neblinosa. Nesse momento entendi como o ser humano está sofrendo aqui na terra. O tempo passa velozmente, não são todas as pessoas que têm uma profissão,a vida se torna difícil por que nem tudo que queremos nós temos,tudo está difícil,está tudo muito complicado. Ainda não tinha terminado de desenhar os meus pensamentos quando percebi algo roçando na minha perna direita. A princípio me assustei, mas ao olhar para baixo, lá estava aquele cãozinho, tremulante de frio, grunhindo e se enroscando nas minhas pernas, abrindo a boca como se me pedisse algo. Entendi o que ele queria. O peguei no colo, enrolei num xale preto que estava na minha bolsa, e muito feliz, dei mais uma olhada naquela tarde fria, cinzenta, coberta com uma densa neblina, que mais parecia uma cortina em finas fitas aquosas, transparentes. Abracei o cãozinho de encontro ao meu peito, para que ele sentisse o calor que de mim emanava,e assim ele foi-se acalmando. Tomei o caminho de volta para minha casa, num cruzamento distante dali, onde me esperava um quarto aconchegante, uma banheira de água quente e perfumada ,um lanche gostoso e também minhas doces lembranças do passado. Hoje não estou mais sozinha, quando acordo de manhã com o mesmo barulho, faço as mesmas coisas de sempre,aquele cãozinho se tornou o meu mais recente companheiro,ficava acordado até eu dormir, como se fosse o meu protetor, o meu amigo fiel, e era,e eu enroscada num cobertor o olhava com olhar agradecido, ele na sua casinha, eu na minha cama,ele se tornou testemunha das minhas levantadas de manhã para puxar um pouco a cortina e dar uma espiadinha lá fora, na rua onde morava.
Autora: Margareth Rafael
obs: este conto não é real. Breve voltarei com meus contos reais. A estória da minha vida.
Aquele foi um dia que amanheceu mais calmo. Falo assim por que geralmente o amanhecer naquele local era turbulento. Era o barulho de muitas pessoas conversando passando na rua, toques de carro, buzina de bicicleta, motor de caminhão etc. Ainda deitada na minha cama, de camisola, eu apenas ouvia e discernia que tipo de barulho que estava sendo aquele ou este, eu não via , mas sabia.Falo que é turbulento apenas que é o que sinto. Não gosto de barulho que venha ferir os meus ouvidos. Para mim, acordar ao som de uma doce melodia ou ao cantar com o trinado suave de um belo pássaro é bem melhor. Mas eu morava naquele bairro, justamente naquela casa, onde as ruas se cruzavam, e não tinha como evitar de ouvir os ruídos desiguais vindos do cruzamento. Ainda de camisola, dou uma esticada no corpo, escovo os cabelos que estavam de tamanho médio, cabelos recém pintados de loiro, ainda cheirando a tinta e creme. Abro um pouco a janela, afasto a cortina que me separa do mundo lá fora e dou uma espiadinha. Tudo na mesma.os transeuntes passam pela rua indiferentes, alguns até criam coragem e olham para a minha cara zangada, parece que sabem do meu pavor a barulho. Na realidade é fobia. Uns ainda olham diretamente nos meus olhos como se quisessem me dizer: _ Acorda logo e vá trabalhar.Entendo muito bem os olhares. Dou uma risadinha entre os dentes, fecho a cortina cor de palha, e tranco a janela. Está frio lá fora. Vi pela densa nuvem que viajava de mansinho no céu cinzento, apenas um pedacinho do céu que deu para eu ver. O sol havia dias que não dava o seu alô...estou aparecendo. Tiro a camisola rapidamente, prendo os cabelos num rabo de cavalo, coloco a touca plástica e corro para o banheiro. Ainda bem que o meu chuveiro é quente,mas tem banheira também. A água gostosa e relaxante desliza sobre o meu corpo , e sem conseguir evitar, penso nos dias que meu marido e eu ainda éramos apaixonados. Vivemos uma louca paixão. Mas há anos ele falecera num acidente e eu ainda não quis que aparecesse outra pessoa na minha vida. Depois do banho, deslizo a toalha vermelha no meu corpo, já meio flácido por causa da idade, mas que ainda tremia ao toque das minhas próprias mãos. Senti um frio na espinha e um tremor correr todo o meu corpo. Depois de colocar uma calça de malha escura, cinza, tipo moletom, e uma blusa fechada de gola alta,azul marinho, bem justa ao corpo, modelando as minhas formas , que já foram esculturais, mas ainda agradeço por estar inteira, fui a cozinha . Fiz um lanche reforçado, resolvi dar uma voltinha no centro da cidade. Mesmo com aquele frio resolvi sair de casa. Apanhei minha bolsa com algum dinheiro dentro, documentos,papel e caneta e resolvi sair antes que o abatimento viesse e mais uma vez ficasse trancada em casa.Não tinha nada mesmo para fazer, já estava aposentada, queria curtir um pouquinho num dia frio e inquieto. Era como se eu quisesse ler as pessoas, olhar para o rosto delas e tentar adivinhar o que passava na mente de cada um.Peguei o primeiro ônibus e logo estava no centro da cidade. Desci e comecei a caminhar sem saber para onde iria. Passei por umas duas avenidas, lotadas de gente que subiam e desciam dos busões, vi pessoas descendo apressadas do metrô e fiquei pensando: -coisa chata esse negócio de metrô. Nunca gostei, prefiro andar de ônibus. As pessoas parecem mais estressadas ainda. O festival de cores das roupas das pessoas que passavam por mim, não correspondiam em nada do que transpareciam em suas faces. Só dava pra sentir a infelicidade,a tristeza, a preocupação,a frieza das pessoas que eu encontrava. Tentava descobrir o pensamento de cada uma , mas mesmo assim não conseguia. Os automóveis que passavam, fazendo com que o trânsito fluísse coordenadamente,às vezes me assustava. A pressa dos pedestres era incrível. Um corre corre, gente que aparece, gente que some no meio da multidão, pessoas que nem olham pra você. Então percebi o que está acontecendo com o mundo. As pessoas estão solitárias, vazias, sem conceitos, sem palavras para com ninguém. E foi neste momento que percebi a neblina. Acho que já estava neblinando há um bom tempo, mas eu estava tão absorta em meus próprios pensamentos e devaneios , que não percebi. Só quando senti uma gota de água bem geladinha descendo pelo meu rosto e despencando na gola cachecolada da minha blusa é que prestei atenção no tempo. Uma densa neblina, fria, intensa, cortante, constante, fazia com que as pessoas se atropelassem mais depressa umas nas outras. Resolvi apressar o passo, mudei a direção para o lado de um antigo cinema, onde parei para esperar a neblina cessar. Encostada numa marquise como abrigo para não molhar mais meus cabelos, esperei pacientemente, enquanto observava aquela tarde neblinosa. Nesse momento entendi como o ser humano está sofrendo aqui na terra. O tempo passa velozmente, não são todas as pessoas que têm uma profissão,a vida se torna difícil por que nem tudo que queremos nós temos,tudo está difícil,está tudo muito complicado. Ainda não tinha terminado de desenhar os meus pensamentos quando percebi algo roçando na minha perna direita. A princípio me assustei, mas ao olhar para baixo, lá estava aquele cãozinho, tremulante de frio, grunhindo e se enroscando nas minhas pernas, abrindo a boca como se me pedisse algo. Entendi o que ele queria. O peguei no colo, enrolei num xale preto que estava na minha bolsa, e muito feliz, dei mais uma olhada naquela tarde fria, cinzenta, coberta com uma densa neblina, que mais parecia uma cortina em finas fitas aquosas, transparentes. Abracei o cãozinho de encontro ao meu peito, para que ele sentisse o calor que de mim emanava,e assim ele foi-se acalmando. Tomei o caminho de volta para minha casa, num cruzamento distante dali, onde me esperava um quarto aconchegante, uma banheira de água quente e perfumada ,um lanche gostoso e também minhas doces lembranças do passado. Hoje não estou mais sozinha, quando acordo de manhã com o mesmo barulho, faço as mesmas coisas de sempre,aquele cãozinho se tornou o meu mais recente companheiro,ficava acordado até eu dormir, como se fosse o meu protetor, o meu amigo fiel, e era,e eu enroscada num cobertor o olhava com olhar agradecido, ele na sua casinha, eu na minha cama,ele se tornou testemunha das minhas levantadas de manhã para puxar um pouco a cortina e dar uma espiadinha lá fora, na rua onde morava.
Autora: Margareth Rafael
obs: este conto não é real. Breve voltarei com meus contos reais. A estória da minha vida.