Sexta 13
Zé da Figa era mesmo engraçado. Havia quem o considerasse trágico. Supersticioso, jamais deixava de bater na madeira, caso ouvisse qualquer coisa de que precisava proteger-se.
Difícil dizer quando tudo começou. Talvez a fobia se justificasse por um incidente qualquer, inconsciente para ele. Talvez devida ao dia em que, criança, ao ver passar gato preto, não se benzeu, e teve a casa assaltada. Lembrava-se da mãe que não atentara para o próprio pressentimento. E que, ao sair de casa, tropeçara na soleira da porta. Segundo a bisavó, isso era claro sinal de que não deveria sair.
A idéia de que, ficando em casa, ela poderia ter sofrido nas mãos dos assaltantes, sequer lhe passava pela cabeça!
De qualquer forma, e por via das dúvidas, Zé da Figa desenvolveu tamanho conhecimento sobre amuletos e técnicas de cortar má sorte, que bem poderia figurar no livro de recordes mundiais.
Jamais usava novamente roupa, calçado ou objeto, com que tivesse se saído mal, em qualquer empreendimento. Simplesmente destruía, que era homem bom, e também não desejava aborrecimentos para os outros. Por isso não doava.
Jamais passava sob escadas, nunca esquecia de cruzar os dedos, ao ouvir qualquer coisa que lhe parecesse praga; em hipótese alguma, permitia portas ou gavetas abertas; sapatos virados tinham o poder de alterar fortemente seus batimentos cardíacos.
As pessoas se deleitavam em contar-lhe novas superstições. As crianças até re-inventavam algumas: para encontrar coisas perdidas, dar três pulinhos, num pé só; ao deparar com um mendigo, piscar o olho esquerdo; quem recolhe botões do chão, ganha na loteria; jogar balas às crianças no dia de Cosminho e Damião faz progredir!
E a tudo ele atendia!
Espelhos eram proibidos em sua casa.
Evitava olha-los, mesmo no barbeiro.
Assim, foi acometido de intenso pânico ao descobrir que naquele ano, no mês de agosto, de tantas magias e feitiços, o dia 13, carregado de crendices, cairia numa sexta feira.
Ocupou grande parte de seu tempo em estudar fórmulas que pudessem anular os efeitos maléficos de tão ameaçadora combinação.
Além de todas as providências que tomaria, seria de bom alvitre, não sair de casa.
Homem responsável, andou compensando, prevenido, as horas de trabalho que perderia.
Todas as tarefas foram cuidadosa e quase carinhosamente adiadas ou antecipadas para que coisa alguma o solicitasse fora de casa.
Comeria comidas leves para que nada magoasse seu organismo, evitando eventual indigestão. Escolheria, dentre as roupas de sorte, a mais poderosa. E se instalaria, confortavelmente na cadeira trançada com fitas do Senhor do Bonfim, aguardando que tal dia adormecesse.
Vigilante, só dormiria após o toque da meia noite, não sem antes banhar-se com água, que diziam ter sido benta por Poderosa Mãe de Santo.
Na véspera, Zé da Figa dormiu cedo.
Ouvira dizer que não era recomendável estar desperto, quando o Treze assumisse seu espaço.
Despertou, antes da hora prevista, com a notícia de que fora sorteado, dentre os empregados da empresa em que trabalhava, ganhando um carro zero quilômetro.
Que alegria e que choque!
Como isso pode acontecer?
Tal dizem que ocorre com pessoas à morte, viu desfilarem diante de si, imagens de uma vida de cuidados, angústias e, por que não dizer, vergonha.
Percebeu num relance, que todas as providências para afastar o azar, nunca lhe trouxeram sorte.
Constatou, como num doloroso parto, as chances que perdera, por medo.
As lágrimas que lavaram sua alma, também o libertaram.
Livre! Eis como se sentia.
Despediu-se de seus talismãs e, atento a cada gota que caia, despejou o restinho do tão precioso líquido bento, sobre a terra fofa do jardim.
Pela primeira vez, em tanto tempo, saiu sem benzer-se, ansiando, desafiado, por uma escada sob a qual pudesse passar, ou gato preto que lhe cortasse a frente.
O primeiro espelho que viu, enfrentou, reencontrando-se com um José firme e seguro, do qual não tinha mais lembranças.
Enclausurado, não percebera como o mundo mudara. Descobria tudo de novo.
Afoito, feliz, não notou o enorme ônibus, que o colheu, quando atravessava a rua, encantado, em desabalada carreira, à cata do tempo perdido.
Pobre José!
Foi-se pra sempre, justo quando deixava de ser o Zé da Figa...
Talvez não gostasse de saber que, com ele, foram enterrados, todos os seus amuletos!
Zé da Figa era mesmo engraçado. Havia quem o considerasse trágico. Supersticioso, jamais deixava de bater na madeira, caso ouvisse qualquer coisa de que precisava proteger-se.
Difícil dizer quando tudo começou. Talvez a fobia se justificasse por um incidente qualquer, inconsciente para ele. Talvez devida ao dia em que, criança, ao ver passar gato preto, não se benzeu, e teve a casa assaltada. Lembrava-se da mãe que não atentara para o próprio pressentimento. E que, ao sair de casa, tropeçara na soleira da porta. Segundo a bisavó, isso era claro sinal de que não deveria sair.
A idéia de que, ficando em casa, ela poderia ter sofrido nas mãos dos assaltantes, sequer lhe passava pela cabeça!
De qualquer forma, e por via das dúvidas, Zé da Figa desenvolveu tamanho conhecimento sobre amuletos e técnicas de cortar má sorte, que bem poderia figurar no livro de recordes mundiais.
Jamais usava novamente roupa, calçado ou objeto, com que tivesse se saído mal, em qualquer empreendimento. Simplesmente destruía, que era homem bom, e também não desejava aborrecimentos para os outros. Por isso não doava.
Jamais passava sob escadas, nunca esquecia de cruzar os dedos, ao ouvir qualquer coisa que lhe parecesse praga; em hipótese alguma, permitia portas ou gavetas abertas; sapatos virados tinham o poder de alterar fortemente seus batimentos cardíacos.
As pessoas se deleitavam em contar-lhe novas superstições. As crianças até re-inventavam algumas: para encontrar coisas perdidas, dar três pulinhos, num pé só; ao deparar com um mendigo, piscar o olho esquerdo; quem recolhe botões do chão, ganha na loteria; jogar balas às crianças no dia de Cosminho e Damião faz progredir!
E a tudo ele atendia!
Espelhos eram proibidos em sua casa.
Evitava olha-los, mesmo no barbeiro.
Assim, foi acometido de intenso pânico ao descobrir que naquele ano, no mês de agosto, de tantas magias e feitiços, o dia 13, carregado de crendices, cairia numa sexta feira.
Ocupou grande parte de seu tempo em estudar fórmulas que pudessem anular os efeitos maléficos de tão ameaçadora combinação.
Além de todas as providências que tomaria, seria de bom alvitre, não sair de casa.
Homem responsável, andou compensando, prevenido, as horas de trabalho que perderia.
Todas as tarefas foram cuidadosa e quase carinhosamente adiadas ou antecipadas para que coisa alguma o solicitasse fora de casa.
Comeria comidas leves para que nada magoasse seu organismo, evitando eventual indigestão. Escolheria, dentre as roupas de sorte, a mais poderosa. E se instalaria, confortavelmente na cadeira trançada com fitas do Senhor do Bonfim, aguardando que tal dia adormecesse.
Vigilante, só dormiria após o toque da meia noite, não sem antes banhar-se com água, que diziam ter sido benta por Poderosa Mãe de Santo.
Na véspera, Zé da Figa dormiu cedo.
Ouvira dizer que não era recomendável estar desperto, quando o Treze assumisse seu espaço.
Despertou, antes da hora prevista, com a notícia de que fora sorteado, dentre os empregados da empresa em que trabalhava, ganhando um carro zero quilômetro.
Que alegria e que choque!
Como isso pode acontecer?
Tal dizem que ocorre com pessoas à morte, viu desfilarem diante de si, imagens de uma vida de cuidados, angústias e, por que não dizer, vergonha.
Percebeu num relance, que todas as providências para afastar o azar, nunca lhe trouxeram sorte.
Constatou, como num doloroso parto, as chances que perdera, por medo.
As lágrimas que lavaram sua alma, também o libertaram.
Livre! Eis como se sentia.
Despediu-se de seus talismãs e, atento a cada gota que caia, despejou o restinho do tão precioso líquido bento, sobre a terra fofa do jardim.
Pela primeira vez, em tanto tempo, saiu sem benzer-se, ansiando, desafiado, por uma escada sob a qual pudesse passar, ou gato preto que lhe cortasse a frente.
O primeiro espelho que viu, enfrentou, reencontrando-se com um José firme e seguro, do qual não tinha mais lembranças.
Enclausurado, não percebera como o mundo mudara. Descobria tudo de novo.
Afoito, feliz, não notou o enorme ônibus, que o colheu, quando atravessava a rua, encantado, em desabalada carreira, à cata do tempo perdido.
Pobre José!
Foi-se pra sempre, justo quando deixava de ser o Zé da Figa...
Talvez não gostasse de saber que, com ele, foram enterrados, todos os seus amuletos!