Um conto

O poeta morreu.

Ele acordava em seu quarto de hotel no início daquele dia, as luzes fracas vindas da janela fustigando seus olhos cansados. Relutava para abri-los, esfregando-os com as mãos e recusando a alvorada, que lhe traria mais um dia. Finalmente abre seus olhos azuis, observa sua garrafa de uísque barato pela metade, seus restos de cigarro no cinzeiro e um bando de palavras em tentativas falhas de poemas em papeis amarelados. Sonhara com premiações e outras impossibilidades. Já afastava seus pensamentos com as mãos e com o seu típico levantar da cama rápido e conformado após já ter aberto seus olhos.

Já preparava seu café-da-manhã, cozinhando um ovo naquilo que lembrava um fogão e esquentando água para seu café. Seus poemas não valiam nada, pensava, estava em seus

últimos estoques de alimento, pensava, a humanidade nunca valeu a pena, pensava. Comia lentamente, os olhos azuis fixos na janela já aberta enquanto pedaços de ovo cozido desciam por sua garganta, banhados pelo seu café diluído.

As pessoas lá embaixo caminhavam apressadas, vermelhas, cinzas em um dia também cinza. Fazia frio. O poeta estava um pouco preocupado com suas duas fatias de pão murcho e uma fatia de queijo na estante. Mas lhe sobrara alguns cigarros, o que o tranquilizava. Talvez tivesse de tentar produzir algo, sair para a rua vender, manter-se vivo. Ponderava sobre a questão: deveria ou não deixar-se morrer? E o barulho da briga do casal do quarto ao lado irrompia feroz, atrapalhando seus pensamentos. Eram novos. Estavam no hotel havia três dias. Incomodava-o essa discussão? Não sabia, mas logo estaria na rua, carregando em seu terno surrado uns papeis, seu lápis, uma fatia de pão, fósforos e cigarros.

Enquanto caminhava pela Rua Principal analisava os transeuntes. Mulheres, homens e algumas crianças lutando por espaço, deixando de lado a sua individualidade em detrimento do convívio social, que era perturbador, de colisão e desavenças. Estava um pouco sujo, assim afastando uma boa parte das pessoas, mas algumas pareciam insistir em esbarrá-lo. Quando esbarrado sentia-se humilhado e constrangido. Sentia que aqueles que o esbarravam eram superiores por natureza, por ter aonde ir, por parecerem ser conscientes de si e de sua função no mundo, por estarem conectados a algo maior cuja permissão não lhe era concedida e, principalmente, por esbarrarem.

Encontrou um banco e ali ficou rabiscando, esperando uma possível inspiração. Um dos papeis que trouxe continha um poema concluído, que produziu ontem, embriagado. Leu, pensou e levantou-se. Era algo, poderia tentar aquele jornalzinho de dois meses atrás. Ia fumando e pensando: poema comum, um toque de ironia, uma pequena inclinação esquerdista. Era típico desse jornal. Foi um bom achado.

Conseguiu negociar o tal poema e já tinha alguns trocados, que guardou com cuidado. Era pouco, mas o manteria por alguns dias. Pegou seu pão e comia com calma, sentado em uma calçada a uns quinhentos metros do jornal. Local afastado, poucas pessoas, ouvia seu mastigar. Seria melhor viver.

Metade do dia já passou, precisava ter algum lugar pra ir! E tinha. Lembrou-se daquele bar próximo ao hotel e em algumas horas lá estava, pedindo seu costumeiro copo de cerveja e dose de uísque. Já começava a escrever, o lápis cortando o papel. Sentia-se estimulado, como se uma onda de inspiração o tivesse tomado conta, e uma boa sensação se espalhava pelo seu corpo, e sua perna tremia e suava e bebia com mais rapidez. Chegou a sorrir um pouco em meio a todo esse movimento, mas saía falho, insano. O final lhe pareceu incrível, estava realizado com a sua obra. Chegou o momento de contemplá-la, reler, buscar algum erro, e foi aí que o cenário se reverteu. Era um poema banal, medíocre, que relatava a vida boêmia, que não se preocupava na transmissão de nada. E sobre o que mais escreveria numa hora dessas? Seus amores foram decepções, sua vida sempre esteve às margens da sociedade, a infância foi solidão. Talvez devesse escrever romances policiais, talvez pudesse produzir um noir, talvez devesse tentar novamente algum conto para alguma revista.

Depois de beber mais duas ou três cervejas, acompanhadas do uísque, começou a se irritar com suas poucas opções de vida, e já não se sentia capaz nem de tentar concretizá-las. Era um ser humano inútil, já não servia mais nem para o que fez durante anos de sua vida. Seus cigarros iam um após o outro. Decidiria mesmo viver? Saiu desse bar que nesse ponto já o encolerizava. Desprezava as ruas, as pessoas, os cachorros, as latas de lixo enquanto caminhava apressado, sem saber ao certo para onde ia.

Seu instinto e sua raiva o guiavam, e o poeta, obedecendo, estava em uma espécie de transe e entorpecimento que nunca havia experienciado. Quando enfim notou o que fazia e onde estava seus olhos se arregalaram, seus braços abriram em cima de uma das grandes pontes dessa cidade. Foi como se dedos tivessem estalado como um sinal para prosseguir. Seus pés se soltaram. Lembranças, sua falecida mãe, seu desespero quando criança. O rio mais próximo. Seu amor não correspondido. O rio, imenso. Sua vida frustrada. Não ofereceu resistência ao entregar-se àquele rio, e até inspirou daquela água suja.

O poeta morreu.