Terê Peitão e Biu dos Gatos. Lia Lúcia de Sá Leitão – 28 de setembro de 2012.
Parece que a sociedade está sucumbindo às sandices dos homens e os homens soçobrando no mar negro da falta de tudo, amor, respeito, compaixão, ajuda, educação, amparo, céus! A falta de Deus, pois é Deus! Se nesse hoje falta Deus imagina o que será desse inferno amanhã!
Faz um tempo que prometi ao meu editor que não escreveria mais uma linha sobre esses fatos tenebrosos, coisa que o desagradou profundamente, porque esse trabalho não se dirige ao sensacionalismo dos tabloides de notícias mas uma troca de informações, eu escrevo, ele edita, e leva para um grupo de estudos numa Universidade conceituadíssima que mantém olhares assustados com os eventos sociais pernambucano reflexo do brasileirismo desprovido de um sistema penitenciário reeducador e não um PHD criminal. Enquanto as sociedades dos bairrões, comunidades palpermas, favelas e outras aglomerações superpopulosas forem vista apenas pela polícia operacional, polícia técnica, papilocopistas, médicos legistas, delegados, jornalistas sensacionalistas e eu que nunca me furto a uma dessas assombrosas histórias não adianta muita coisa estudos, teorias e alertas intelectualizados, a situação apenas tende a piorar e essa é mais uma das assombrosas histórias que presenciei nesses dias.
Terê Peitão uma mulher jovem, desprezada e maltratada pelo tempo mas com algum traço de beleza quase infantil, as marcas na pele de queimaduras não escondem a mulher que aprendeu ser determinada mas sem chances para o crime, viveu uma vida pregressa mas depois endireitou-se na comunidade e ficou decente. Saiu de casa aos doze anos, pai desconhecido, supõe-se que o pai era um rapaz da redondeza enfiado até o pescoço em crimes e balburdias. Tinha um Chevette vermelho com faixas pretas e roda de titânio, sem contar um som de uma potência inenarrável sempre apelativo. O que ninguém sabia era de onde vinha tanto dinheiro para bebedeiras, rodadas de fumo e orgias nas boites de má reputação. Berrava a plenos pulmões. Eu pago fumo, cachaça e mulé, meu revolver é a lei! Aqui a puliça se entrá num sai porque o cu da madrugada é meu.”
A mãe de Terê não teve tempo de dizer se era o talzinho machão: Bicofino, o pai. Pouco se sabe, morreu cedo com uma bala cravada na cabeça aos 15 anos. Chegava da maternidade com a menina Terê no braço e numa briga pela bocada, ela não teve tempo de se esconder e: um olhar de soslaio, a mão certeira apontou a arma na altura da cabeça e o dedo cruel puxou o gatilho. Cheguei a ver uma cruz pintada na parede de um casebre. Disseram-me que foi ali que morreu, com os miolos esmigalhados para todos os lados, morreu mas não soltou a menina. Deu trabalho até para o IML para retirarem a menina colada no peito da mãe, o policial segurava a criança e a defunta puxava numa força incrível a criança para o seio, dois técnicos por fim abriram os braços da falecida e finalmente retiraram a criança lambuzada de sangue, miolos, poeira, e os olhares indiscretos dos transeuntes.
Terê foi criada pela avó aceitando as Leis do bem, respeitando a lei dos maus, e ciente da lei do silêncio. Magda é uma mulher batalhadora. Sofrida coitada de causar dó, mas nunca abandonou a esperança de dias melhores. Viveu um bom tempo pulando de Igreja em Igreja cristã. Buscava as promessas de ficar rica, mas sempre era ela quem tinha que pagar as promissórias pelas benesses do céu. Um dia, brigou com o pastor xingou meio mundo de gente; uns dizem que a desgraça da família dela é que naquele dia xingou até Deus. Apontava um dinheiro e dizia é comida e o leite de Terê! Nesse dia atravessou a rua gesticulando, soltando farpas e adentrou no terreiro do Pai Didinho e por lá ficou.
Terê foi engrossando o talo, menina de nove anos já tinha largado a boneca de cabelos duros, olho furado, dois bracinhos imundos colados num tronco sem pernas. Era ela a boneca de satisfação dos meninos da cercania, quer saber que é uma buceta? Terê mostra! Quer saber como se faz safadeza? Terê gosta! Entre surras e castigos a menina tornou-se uma adolescente sem os sonhos de vestido rosa e flores brancas e um bolo de quinze anos. A realidade era outra, um ano antes foi estuprada no beco da rua 6, se bem que não foi bem um estupro; ela mesma falava isso: “ dei um pouco mais de tempero, mas num era pro cara me queimar de cigarro, gostei das tapas, mas podia não ter quebrado os meus dentes” ela mesma sorria e batia palmas quando falava das aventuras sexuais.
Um dia Terê foi para Boa Viagem queria conhecer o Shopping Recife. Ela falava em bom tom na rua que o local era uma grande merda! “Um povo que olha na gente como bicho, num dá nada, nem sabe que a gente veve, dorme, come e fode, daí veio um merda de preto e botou eu e minhas amigas fora. Eu ainda briguei e chamei os direitos humanos mas que nada! Levei foi um tapa olho que ainda estala no juízo!”
Terê estudava numa escola municipal, mas não se adiantou muito, mal aprendeu a escrever o nome, o primeiro nome porque o segundo nome, nem o policial de plantão letrado conseguiu.
Tereza Slovaquinanova Beleza da Silva, nome principesco! Mas difícil pra caramba de escrever naquelas linhazinhas.
Finalmente Terê encontra um amor verdadeiro Biu dos Gatos, um rapaz pacato, mais velho, zarolho do olho amarelo, todos respeitavam Biu ele transmitia medo quando olhava por cima das lentes dos óculos, era como se mirasse na alma e pá! Tiro certeiro! Um dia passando na porta de um barzinho estava Terê dançando essas danças da bundinha, vestida a caráter, uma frente única amarrada ao pescoço, um shorts que fazia dias incorporado até na sujeira. Ela levantava os braços, passava as mãos nos cabelos afarofadamente lisos. Passava o dedo na boca e nos lábios encenando um olhar maroto de inocência. Virava o rosto de um lado e do outro, requebrava ao ritmo musical, Biu, olhou a cena, entrou no bar, pegou a menina pelo braço e disse você agora é minha, não grite! Tem casa, comida, roupa limpa e amor. Terê esperneou mas aceitou a proposta. O rapaz deu estilo de vida a Terê. Roupas da moda e composta como mulher decente, sapatos de uma rede de lojas do Recife. Toda sexta feira os dois saiam para comer churrasquinho e tomar cerveja na pracinha do shopping Tacaruna, a farra era boa! Saciavam os desejos e voltavam para a casa simples de dois quartos sala, cozinha e quintal com a máquina de lavar roupas Brastemp.
Terê perdeu os dois filhos em oborto natural, sofreu coitada o que ninguém merece, mas não desistiu. Quando chorava a perda entregava a Jesus e voltava a ter um brilho nos olhos com um leve sorriso.
Um dia a vizinha convidou Terê para fazer parte de uma revenda de produtos de revistas, desses que se oferece o produto, se marca e quando o produto chega se paga o valor estipulado pela revista. Biu ficou cabreiro mas não impediu a mulher de trabalhar, era mais um rendimento. Terê conhecia todos da localidade e falava sem o menor medo com cada um dos caras de um lado, quanto os caras do outro lado, seu público era a mulherada deles! A moça também investia nas famílias dos irmãos, dos católicos, dos macumbeiros, enfim nenhuma casa escapava aos seus produtos. Ela falava, só vou nas casas, barraco é perder tempo tudo liso! E fiado só em agosto de Deus! E dava uma risada.
Depois de tanto tempo de boa conduta, Terê entra na casa de um velho conhecido, e estremece o peito, ele aparece cheio de ginga, colares de prata no pescoço que nem toda joalharia tem expositor igual. A princípio ela responde afirmativamente que estava vivendo com Biu, era feliz, ele chega mais perto, ela ainda se afasta, ele investe, a sedução vence e ela se deixa levar, o homem toca o corpo ela geme e pimba! Acontece aquelas coisas que todo mundo sabe. Num lampejo de consciência, Terê fecha os botões da blusa, o homem sorri desavergonhadamente, ela corre para a casa.
Nesse meio tempo Biu foi avisado do risco que a mulher estava passando, ele pega um revolver, sai correndo pelas vielas até chegar ao local, esconde a arma e pergunta ao homem por ela, ele diz que não sabe mas, sabe apenas que ela é muito boa pra ser puta. Biu puxa o revolver e dá um tiro certeiro no meio da testa do homem. Corre de volta para sua casa e encontra Terê tomada banho. Biu fica de costas para Terê e de frente para a porta, ela olha ele, ele se volta com a arma em punho, ela grita e ele atira um tiro certeiro no meio da testa.
Biu dos gatos senta no sofá e espera a polícia, o IML chegar, os vizinhos já estão num burburinho desrespeitoso. O medico olha e afirma, “putz! A mulher estava grávida! Biu pela primeira vez na vida chorou.