A moça do canto sem encanto

O mundo era menos frágil, mais fácil, quando a gente ainda não sabia.

Não cabia imaginar, de tão jovem, que mesmo ela sofria. Sincera, singela, pequena, disfarçadamente sorria. Escondia-se nos traços em que não se exibia. Nas cores que nunca sentira. Nas dores que saboreava sozinha.

Assim havia de caminhar, a encontrar aquilo que já não vivia.

Perdida nas entrelinhas de um jargão qualquer. De um refrão no rádio. Do consumismo de um outdoor. De quem não saberia ser, pois já não mais seria, quando no instante de contar, continha – e no momento de cantar, sorria.

Para ela, a hora é sempre de calar. Canto. No canto, em verdade. Sem encanto, no escuro e em silêncio. No recado vazio, sem voz nem vez.

No desencanto da rotina em que se pôs apenas a espreitar, testemunha insone dos tempos modernos, ouvinte surda dos sussurros tropicais.

De tanto esperar, o peito guardado não saberia a ação e a reação que então insurgiria. Seria o sorriso a se desenhar o primeiro sinal tardio da primavera.

Desenhada a metade nos lábios daquele alguém, o desbrotar não se conteria. Já era tarde – e aquele alarde seria enfim o alarme? Desenfreado, desassossegado, o peito jamais descobrira.

A moça sem recanto, ali à espreita, no escuro, recatada ao seu modo peculiar de simplesmente ser sem viver o mundo. Os olhos refletiam tanto timidez quanto curiosidade. Ávidos pela descoberta de suas próprias linhas, diretrizes a nortear as madrugadas.

O valor, o sabor e o calor naquela que, penitente, renitente, tem a estranha mania de se esconder na multidão, nos atropelos do cotidiano, nas desilusões das incógnitas que somente revelam que desconhecemos, jamais o desconhecido.

E, sem saber sabendo – pois viveu vivendo, fez fazendo e amou amando -, naquele momento, se encontrou sem se caber, deparou-se sem compreender: viu o sorriso se descrever e se esconder, calando.

A porta então se fechou mais uma vez – e aquele mundo frágil, singelo e sincero já não mais existia.