Sussurro de almas
As coisas ficaram realmente difíceis. E a solidão e o vazio eterno e interno e o vazio de mim, tudo só piorou. Desculpa. Não queria começar assim. Aliás, nem queria te dizer isso. Mas hoje vim pra casa, no meu silêncio, pensando no sentido disso tudo. Vim caminhando pra casa - aquela nossa mesma casa, agora só minha -, e, passo por passo eu vi, revi e recriei todos esses dias, meses..olha só, anos. E o que foi que a gente fez até aqui? Ah guria, nem te digo que meus bolsos pesavam. Muito. Sabe, pesavam mesmo, pesavam com um peso do passado, com um gosto do passado, com uma decepção tão nostálgica quanto angustiante. Ah, mas te digo que recontei e organizei meus bolsos. Fui tirando tudo de dentro: sonhos, medos, pessoas, alegrias, vontades… Tudo. Me organizei. Pena que a gente não pode jogar nada fora… Ah, guria, nem imaginas quanta coisa pesava em mim sem que eu me lembrasse ou me desse conta. Tinha pedaços amargos do passado pendurados em meus ombros sem que eu nem enxergasse. Mas eu fui olhando, todos os cantos de mim, eu olhei. Te digo que, vezes seguidas, as memórias traziam lágrimas e dores, e de repente tudo parecia tão presente, como se as feridas ainda sangrassem… Lembrei de você que me dizia que o sangue para, mas a cicatriz relembra a história… Sinto sua falta. Sua presença me aliviava os bolsos, seu sorriso era aquele convite doce pra trocar de roupa. - Mas olha só, já mudei de assunto. Você sempre faz isso comigo, me perco em minhas palavras, em meus pensamentos e fico assim, nesse rodeio de palavras que te prolongam um pouquinho mais em mim. Só você me faz tirar as mãos dos bolsos, só você me faz derrubar um pouquinho do passado pra ter espaço pra guardar suas cores em mim. Você me transbordava, menina. Você inundava um pouquinho minha alma e me levava os excessos de peso. Desculpa, me desatinei a falar novamente… Mas sabe, só queria ouvir de ti, baixinho, num sussurro de almas, aquele seu silêncio estrondoso que me dizia vem comigo, te compro um lenço, um disco ou um brinco. Até um vestido, mas tudo sem bolso. E me sorria, como se tudo fosse doce. E me sorria, me levando onde quer que fosse.