A Menina e o Anjo
A menina teve uma infância feliz, brincou, comeu frutas tiradas dos pés, teve amiguinhos, acreditou em papai Noel, e ao dormir sua mãe lhe ensinou a orar para o anjo da guarda. Em sua inocência acreditava que existia um anjinho só seu, que existia para protegê-la e impedir que qualquer coisa ruim lhe acontecesse.
Os anos se passaram e ela cresceu, a vida mudou, sofreu perdas e decepções, e do seu anjinho se esqueceu.
Certa vez durante sua caminhada, sentiu uma presença especial, algo a intrigou....
Agora tinha uma motivação a mais para caminhar, tinha a impressão de que eles tinham um encontro marcado, embora nunca tivessem trocado uma só palavra.
O fato era que ela sentia se diferente, radiante, simplesmente por vê-lo tão rapidamente.
Ele tinha aparência tímida, sorriso discreto, mas, olhar forte. Em certos momentos parecia lutar contra a timidez para dizer algumas palavras e logo seguia.
A menina agora menos inocente, sentia tratar-se de alguém muito diferente, mas, como é comum no mundo conturbado dos adultos, não se permitia compreender, afinal, o mundo dos adultos é racional.
Meses, se passaram ate que um dia inesperadamente quando ela se deu conta eles estavam próximos, conversando, havia uma estranha afinidade e intimidade entre eles.
Tudo parecia tão familiar e especial que a assustava. Nesse dia fez a ele um pedido, queria vê-lo sorrir e seu pedido foi prontamente atendido, ela jamais esqueceu a beleza daquele sorriso. Horas se passaram, eles perderam a noção do tempo, riram, brincaram e ela momentaneamente se tornou a menina de antes. Não fizeram perguntas pessoais, não fizeram promessas, não se preocuparam com o dia seguinte, nem sequer marcaram um novo encontro (nada se pareceu com um encontro de humanos adultos). Ela vestia-se de vermelho vivo e repleto de energia, assim como encontrava-se.
Por vários dias seguidos, ela o via vindo de longe rosto serio, mas, sereno, passos pequenos, não parecia ter pressa, e uma das mãos sempre no bolso. Ele a lembrava do Pequeno Príncipe, personagem que havia marcado sua adolescência. E cada dia pensava mais nele, embora, sentia que essa relação era impossível, não sabia por que mas, tinha certeza de que aqueles momentos tinham sido únicos e nada semelhante se repetiria. Isso a entristecia.
Um dia subitamente, e sem fazer qualquer ruído como sempre, ela o viu tão pertinho de novo, trocaram duas ou três palavras, ele estava de camisa branca, que harmonizava com sua aparência de paz. Ela de vestido preto e muitas pulseiras coloridas, que simbolizavam um misto de sentimento de perda e esperança, e com uma sensação estranha, pediu a ele um beijo e sentiu pela ultima vez aquele toque suave e caloroso.
Dias se passaram, ela sentia sua falta, um dia o viu novamente e apenas trocaram olhares, que mais tarde ela compreendeu que foram de despedida. Ele tão silenciosamente como surgiu desapareceu. Ela pensava, o que houve? Ate que um dia sem saber que ele simbolizava o brilho especial no olhar da mulher_menina, alguém lhe contou, por acaso, que ele para sempre havia partido.
Ela passou dias, talvez meses perguntando-se o por quê? Não aceitava o fato de não ter tido a chance de despedir-se. Ela não tinha fotos, cartões, ou qualquer recordação comum nas relações humanas, mas, tinha sua imagem viva em seu coração, nem sequer sabia seu nome todo, mas, compreendia que isso também não era importante. Simplesmente fechava os olhos e o via com a alma e assim a saudade diminuía.
Anos se passaram e ainda hoje às vezes ela passa por lugares onde o via e sente a doce “ausência da sua presença” , sabe o quanto foram sublimes os poucos momentos que tiveram juntos. Ela compreende que seu tempo completou-se, sua missão foi cumprida, por isso, ele precisou ir, mas, ela foi abençoada por tê-lo conhecido. E, apesar de adulta ela agora insiste em acreditar em anjos, que irradiam luz e alegria. E quando se veste de vermelho lembra do seu anjo e sorri.
Às vezes ela se pega olhando no espelho e perguntando a si mesma: Algum dia serei abençoada pela presença de um outro anjo?
Anjos despertam o melhor que existe em uma pessoa.
A você Alexandre anjo que passou pela minha vida e me fez sorrir.
Publicado no Recanto das Letras em 2007
Hoje(2012) relendo sinto saudade... muitas tentativas e decepções depois, tem sido difícil continuar acreditando em anjos...