Casa velha

                 
 
 
           
Existe na Vila Real da Praia Grande, uma casa de pouco mais de meio século de construída.
            Ampla, de dois pavimentos e uma tormentosa escada para os que estão carregando material de limpeza, ou roupa passada, lá o que seja.  Escada irrita até gente moça, que costuma reclamar quando faz algum transporte.
            Todos que a olham por fora julgam, com razão, que está abandonada.  É verdade que o quintal está sempre limpo, e jardins cuidados – parece uma selva tratada – e seu aspecto é realmente de abandono.  Um abandono cuidado, se é que valha a expressão.  Desde que foi pintada, para acolher o então jovem casal, nunca mais viu mão de tinta.  Com o passar dos anos, tornou-se um ocre, um ocre velho, como velha é a casa.  Um limo verde, discreto, e que colabora bastante para dar a aparência um tanto fantasmagórica à antiga casa branca.
            Uma grande árvore domina o quintal e, como já foi dito canteiros e mais canteiros exibem as mais diversas plantas.  Roseiras, inclusive.   Estas, sempre que algum morador faz anos, presenteiam com uma bela flor o aniversariante.  Parece que tudo ali é mistério, e alguns acham mesmo que a casa é mal-assombrada.  Histórias não faltam.
            Como passo sempre pelo local, um dia vi um homem de meia idade, que tinha os firmes e fixos numa roseira.  Sou um cara enxerido.  Dei bom dia ao homem, que me olhou de maneira indiferente.  Perguntei se ele morava ali.  Disse que não, apenas tomava conta da casa, e voltou os olhos à roseira.  Continuei com a minha fala, revelando que conhecia a casa há muito tempo, mas que pensava abandonada.  Para abrandar os ânimos do homem preocupado com a roseira, disse que era escritor.  Funcionou como eu não esperava.  Ele abriu um sorriso amistoso e perguntou o que eu desejava.
            O portão de ferro foi aberto.  O homem apresentou-se e disse que era o dono da casa, uma revelação que eu já esperava.  Com uma bermuda jeans, camisa xadrez e um tênis surrado, mas sem aparentar defeito ou sujeira, disse que já me conhecia de vista, e mostrou-me a roseira alvo de sua atenção.  Não estava em boas condições, mesmo para mim que não entendo do assunto.  Explicou-me que não tinha sido podada antes de começar o tempo frio, mas não estava comprometida.
            Convidou-me a entrar e beber uma taça de vinho.  Onze e meia da manhã, entendi que não era para dizer não.  Sempre tive curiosidade de conhecer a velha mansão.
            Meu susto foi grande.  A casa era completamente restaurada por dentro.  Jardim de inverno enorme, com vista para um belo quintal onde distingui outra árvore, este muito menor do que a dominante mangueira.  “Laranja”, disse-me.  “Já era época de estar florida, se não fosse o frio.”
            Mostrou-me algumas dependências da casa, mas não levou ao andar de cima.
            A sala tinha um ar personalíssimo, móveis estilo campestre sem serem rústicos, paredes cobertas de quadros, dele e da sua mulher, que não apareceu.
            Terminada a taça de vinho, ofereceu-me outra, que discretamente recusei.  Visitamos o seu escritório, onde um computador reluzia com a sua tela de cristal líquido.
            Senti uma sensação de bem-estar.  Interessante que não havia dito o seu nome todo, quando me apresentei no portão. Perguntei. “Joaquim Manuel de Macedo, ao seu dispor.”
            Ou era doido, ou realmente agi certo: com uma desculpa, coloquei-me em fuga rapidamente.   



Joaquim Manuel de Macedo (Itaboraí, 1820 - Rio de Janeiro, 1882) é consgrado romancista nacional.  É dele, entre outras obras, a conhecida "A Moreninha".

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 19/09/2012
Reeditado em 25/09/2012
Código do texto: T3889541
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