A VOZ
Dora!
            De repente ela estaca, congela, parece petrificar-se. O coração dá um salto e para. Depois volta a bater, descompassado, arrítmico. A respiração fica difícil, o peito arfante. Fica diante de uma vitrine, como a olhar as roupas, mas na verdade não via nada. Será que empalideceu? Alguém terá percebido essa profunda comoção? E se perguntarem se passa mal, o que dirá? Nem ela sabe direito, a cabeça oca, parece ouvir zumbidos de uma nuvem de marimbondos. E como num redemoinho as ideias vão passando, rápidas como num filme que aceleramos. Era a mesma voz que não ouvia há anos, mas inesquecível. O passado volta num átimo, um passado que sempre desejara reviver, mas que estava completamente sepultado por camadas sucessivas de tempo, como as camadas de rochas sobre os fósseis. Mas, e se não estivesse? Se todo o tempo transcorrido se tivesse derretido como a neve fina aos primeiros raios de sol? Se fosse ele mesmo? Ouvira nitidamente chamarem seu nome atrás de si, a alguma distância. E a voz... Aquela voz, inconfundível! Começou a se preparar psicologicamente. O que diria, depois de tanto tempo? Como estaria ele fisicamente? Será que “daria bandeira”, deixando transparecer toda a emoção que sentia? Deveria olhar para trás? Ou esperar chamar novamente? Ou voltar a andar e ficar eternamente na dúvida? Não, isso não! Melhor se arrepender do que se faz do que daquilo que não se faz. E decidiu-se. Esperou ainda alguns segundos, respirou fundo, ajeitou os cabelos, voltou-se e percebeu o engano.
Era um homem bem mais jovem, impaciente, chamando a filha que tinha parado pra brincar com um cachorrinho.

Primavera Azul
Enviado por Primavera Azul em 14/09/2012
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