A varanda como testemunha.
As três cadeiras na varanda
Criam lembranças tão reais
Pois nelas eles viam a banda
Sinto saudades dos meus pais.
Era um casarão de dois pavimentos naquela rua do centro da cidade, junto da Casa de Tecidos Oriente. Lá moravam os Santos, que se dedicavam às coisas da igreja matriz com suas duas torres agasalhando os sinos que badalavam todos os dias na hora da Ave Maria, quando todos em silencio faziam suas orações, ainda que estivessem nos seus afazeres ou mesmo aqueles ébrios frequentadores do bar do Chiquinho, um bar de balcão de madeira polida e piso de tabuas enceradas, onde eles cuspiam as suas cachaças ou as jogavam para o “santo”.
A casa com sua varanda debruçada sobre a rua mantinha sempre três cadeiras onde seus moradores recostavam nos fins de tarde para olharem as pessoas que circulavam no vai e vem circulando pelo pirulito da porta da igreja. Umas sozinhas, outras de braços dados, geralmente as moçoilas. Como formigas passavam e voltavam caminhando para o nada. Todos ali cumprimentavam o padre com sua austera batina preta. Ele tinha poderes como o juiz de paz da cidade e o delegado. Da varanda os Santos podiam ver as torres da igreja e bem longe Pico do Amor com seu belo cruzeiro de madeira, onde em época de seca, as crianças com eu, levavam garrafas com água e flores para jogar no seu pé, pedindo chuva para a cidade.
Foi desta varanda que numa manhã chuvosa os Santos sentiram a maior tristeza ao não avistar uma das torres da igreja. Nesta manhã triste num instante toda cidade se alarmou com noticias do desmoronamento de uma parte da igreja que ficava para o lado da rua e da casa paroquial. Foi um alvoroço naquela cidade, surgiram várias especulações dos fieis sobre a causa da queda. Estas eram as mais tenebrosas relatando pragas e castigos, muito comuns naquela época de crendices e supertições, mas sabia-se que a chuva fora o elemento causador, e que a igreja já tinha várias rachaduras provocadas pelas explosões de dinamites na extração desenfreada de minério de ferro naquele Pico do Cauê pela Cia.VALE
Da varanda assistiram os primeiros ensaios musicais da Banda Santa Cecília a desfilar pelo centro tocando seus belos dobrados e marchas, ensaios para a primeira participação nas procissões da semana da santa. Naquele tempo festa grande com participação de toda cidade nas varias cerimônias, inclusive todos se confessavam e comungavam. Ainda sem o avanço das novas religiões. Reinava o catolicismo da arquidiocese de Mariana. Uma festa comandada pela eloquência do padre Jose Lopes, auxiliado por frades vindo do Mosteiro de Caraças. As pessoas choravam atrás das procissões principalmente na de Encontro de Jesus morto com Maria. O som triste da banda ecoava pelas ruas de pedras e casarões.
Vêm desta varanda as estórias dos casos de assombrações perambulando pelas ruas na quaresma. Figuras como mula sem cabeça, o lobisomem, o Créu, a loura do cemitério, o cavalo andante arrastando latas. Estórias que abundavam as rodas de contadores, que causavam arrepios e medos nas crianças. A família Santos sempre usada como testemunha, pois teria visto as figuras relatadas.
Agora aquela varanda, com suas cadeiras vazias e ja apresentando a ação desvastadora do tempo, parece mais uma cemitério de lembranças mortas de um tempo, que se perdeu nas lembranças dos que ali viveram, mas que ainda povoam as minhas.
Toninho.
Lembranças de uma infância feliz.
Fatos reais e ou proximos da realidade.
Nomes da ficção.