o bonde

A última vez que eu andei de bonde? Nem me lembro mais, faz tantos anos.Aqueles antigos bondes que fizeram parte da nossa rotina, que corriam pelos trilhos de aço, muito bem assentados nos paralelepipedos de pedas portuguesas.Hoje só se vê bondes em filmes estrangeiros, tem tambem os bondinhos de santa Tereza, lá no Rio, mas eles já viraram folclore, um bonito cartão postal no viaduto da Lapa, sob os arcos.Osd bondes fazem parte de um passado, certo que não tão distante assim, porem, tempos idos, e, portanto, eu não encontrei uma explicação por me achar sentadinha no banco de madeira de um bonde.Assim, do nada, lá estava eu lendo, tranquilamente, o cartaz da propaganda da "lu-go-li-na, com as quatro mocinhas, fazendo biquinho nas sílabas.Me encantei também, em rever o ingênuo verso - veja ilustre passageiro - do Rum Creosotado.Antigos reclames esquecidos.Eu ia tão distraida que cheguei a me assustar com o trocador cobrando a minha passagem.Não sei precisar se paguei ou não, estava tudo meio confuso.Passei então, a prestar atenção nas peripécias do cobrador a se equilibrar no estribo entre os pingentes.Fardado de azul, com o seu boné de galões dourados, continuava ele o seu trabalho.Como eu estava acomodada em um banco bem na frente, prestei bem aternção no motorneiro, um homem jovem e posudo, o capitão da nave da Light.Eram cenas de um cotidiano que, no momento, me pareceram estranhas.O bonde corria e eu me segurei com firmeza no balaustre.Sempre tive trauma de sentar na ponta do banco -cuidado, segura bem que pode cair e vai para embaixo das rodas!-uma ladainha da infância nos meus ouvidos. A viagewm seguia tranquila.Eu ia apreciando o caminho, passando por ruas ,antes nunca vistas.Havia um sol forte, e me pareceu um belo dia de verão.No início, nem me dei conta das ruas estarem desertas, além dos passageiros do bonde, não havia mais ninguem.O balançar exagerado do veículo, foi me deixando meia tonta.Não posso precisar se cochilei ou não, porém, de repente,o bonde ficou em festa.As pessoas queiam no estribo, antes tão caladas, começaram a cantar alegres marchinhas de velhos carnavais.Reparei que elas vestiam camisas listradas, e as cores fortes e variadas, pareciam brilhar ao sol.Algumas usavam gorros de marinheiros americanos, outros bonés ou leves palhetinhas enfeitadas com fitas.Era carnaval! Fiquei alegre tambem, contagiada pela animação geral.Pelas ruas, antes desertas, desfilavam blocos e as serpentinas e os confetes, em profusão, espalhavam turbilhões de cores pelos ares.Não sei quanto tempo durou aquele encantamento, mas, sem aviso prévio, o tempo mudou./Caiu uma chuva grossa, ruidosa, que escorria pelo teto do bonde, formando poças escuras no piso de ripas.Fiquei ensopada com aquelçe dilúvio.Como a chuva chegou, ela passou, e tambem foi-se a alegria.As criaturas voltaram a parecerem sombras, estáticas nos seus lugares.As alegres cores das camisetas começaram a desbotar e pareciam todas estarem sujas pela fuligem do tempo.A chuva eo vento havia levado todos os adornos.Nada restou da festa.Nenhum vestígio das serpentinas ou da multidão.Uma grande tristeza tomou conta de tudo.Eu, tremendo de frio, fiquei bem quieta no meu lugar, não queria chamar a atenção daquelas pessôas que pareciam mortas.As ruas voltaram a ficar desertas.Qual seria o nosso destino? Em dado momento, a mulher gorda, sentada ao meu lado,foi arrancada do seu lugar e passou por mim, levada como um pluma ao vento.Lá foi ela pelos ares, com os braços esticados , como em uma súplica, e as grossas pernas batendo descontroladas.Fiquei apavorada.Lógo a seguir outros passageiros tomaram o mesmo rumo.Segurei com mais força o balaustre e fui percebendo algumas mudanças.O trocador e o motorneiro, jovens no ínício da viagem , pareciam homens exaustos e envelhecidos.Fiquei ansiosa para escapar daquela extranha situação,mas, não sabia o que fazer, não adiantava tocar a cordinha com o aviso de parar.Situação insólita.A luz do onde, pois já era noite, ficava cada vez mais fraca.Em uma curva mais forte, chegou a minha vez de ser arrancada do meu lugar, e assim como os outros, lá fui eu batendo pernas e braços na tentativa vã, de encontrar um apoio.Rodopiei como um pião.Nas minhas cambalhotas , ainda pude ver, de relance, as luzes fantasmagórias do bonde que se distanciava na noite.Eu parecia uma folha sêca ao vento e um gelo apertava o meu estômago.Na verdade a minha queda foi até suave.Simplesmente, acordei na minha querida cama.Quer alívio!

lucia verdussen
Enviado por lucia verdussen em 14/09/2012
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